quinta-feira, 19 de março de 2015

Os profetas se baseiam principalmente nos sinais da natureza e temem o fim da prática

O cupinzeiro é um dos elementos utilizados para prognosticar chuvas
O cupinzeiro é um dos elementos utilizados para prognosticar chuvas
FOTO: EDUARDO QUEIROZ
Iguatu/ Quixadá. Os povos antigos prediziam o tempo a partir da observação dos astros. Assim, os egípcios previam as estações e as cheias do Rio Nilo. Foi longo o caminho, passando pela Grécia Antiga de Aristóteles, até os complexos modelos matemáticos analisados pelos meteorologistas de hoje. Mesmo assim, muitos ainda buscam na natureza sinais para prognosticar chuvas. No Nordeste do Brasil, essa é uma tradição que resiste. Há quem se autointitule "profeta da chuva", mas, no fundo, todo produtor rural da região observa a natureza a seu modo e daí tira as suas conclusões.
Da florada do mandacaru, imortalizada nos versos de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, e de diversas outras plantas; da posição da abertura do ninho do joão-de-barro; do desenvolvimento dos cupins em diferentes estágios. São muitas as observações que levam aos prognósticos, que há anos contam com palco, no segundo sábado de cada janeiro, em Quixadá, região Central do Ceará, onde o espaço é democrático. Todos são bem-vindos, com as suas observações.

Sinais da natureza
Antônio Tavares da Silva, o Antônio Lima, de 75 anos, é um dos famosos profetas da chuva de Quixadá. Em novembro passado, a reportagem acompanhou sua ansiosa busca por sinais da natureza que comprovassem o que, no fundo, ele queria provar a si mesmo. "Olha! O juazeiro está florando, a aroeira também... Aqui é assim: mandacaru quando fluora na seca é sinal que a chuva chega no sertão...". Ainda era o terceiro ano de chuvas escassas no Semiárido e ele procurava boas notícias, por um 2015 de chuva e fartura.
Não demorou e ele encontrou um cupinzeiro, confortavelmente instalado em um frondoso cajueiro. Parou, avaliou, tirou a casca, analisou os pequenos seres a se mover incessantemente. "Veja! Tem de todo tamanho e muita asa! Só cria asa se for chover! Vai chover logo e vai ser comprido o inverno!", profetizou. "Não sou eu... É a natureza. Tudo é sinal de inverno! Mas, quem não enxerga, não vê nada. O Xexéu não foi embora pro Piauí. Se lá chove muito, é chuva pra cá. Os passarinho tá muito animado". Antônio Lima nos contou um pouco de como tudo começou: "Minha mãe teve 11 filhos, oito homens. Nós só comia quando Deus botava chuva. Ela ganhava os mato e nós nos mocotó dela".
Santa Luzia
Na região Centro-Sul do Ceará, o agricultor Francisco Domingos Dias, de 73 anos, morador do Sítio Açude do Governo, no Distrito de José de Alencar, zona rural de Iguatu, mantém a tradição e, a cada ano, faz suas experiências prediletas: coloca as pedras de sal na noite de 13 de dezembro, Dia de Santa Luzia, e, nos dias seguintes, observa o tempo, se houve chuva, se está nublado, correspondendo aos meses subsequentes.
Conhecido por Chico de seu João, Francisco Dias enfrentou anos de seca com os pais, passou fome e viu muita gente morrer em 1958, quando uma estiagem intensa castigou o Ceará. Ainda hoje ele chora e fica emocionado quando recorda os tempos de dificuldades para conseguir trabalho e alimento para a família. "Só tinha água no pote", relata. "Depois o governo colocou frentes de serviço nas estradas e entregou de comer". As experiências aprendeu com o avô, que veio da Paraíba. "Antes, havia mais agricultores, que observavam muitas coisas, mas hoje esse costume está se perdendo entre os jovens. Além disso, acho que o tempo está virado, uma experiência aponta para um caminho, outra diz diferente".
Na casa do agricultor Francisco Dias, mulher, filhos e nora acompanharam as experiências que mostraram que janeiro e fevereiro seriam ruins, mas a chuva chegaria a partir de março e seria boa em abril e maio. "As pedras de sal e a observação dos dias seguintes, após o Dia de Santa Luzia, indicaram inverno tardio, mas a observação do Cruzeiro do Sul (constelação) não foi animadora", explicou. "Apareceu um véu, uma mancha mais para o Sul do que para o Norte".
Confiante de que haverá chuva para assegurar a safra de grãos e encher barreiros e cisternas, Francisco Dias plantou um hectare de milho e feijão e, diariamente, apesar do avanço da idade, cuida do roçado. "Planto para o consumo próprio, para guardar para o ano". Antes de terminar a entrevista, ele lembra que fez a experiência no dia de Santa Escolástica (10 de fevereiro): "O céu estava limpo, sem nuvens. O resultado não foi bom".
No sítio Aroeiras, na zona rural do município de Orós, um grupo de agricultores integra o projeto Sertão Vivo e são verdadeiros guardadores de experiências populares de chuva e de sementes. O objetivo é manter a tradição, a memória dos antepassados que, nos meses de dezembro e janeiro, costumavam fazer previsões.
Eles se reúnem em janeiro para as primeiras previsões e, a cada mês da quadra chuvosa, voltam a trocar ideias. O criador do projeto é o poeta e músico Zé Vicente, que logo avisa: "Não é uma reunião de profetas, mas de guardadores de experiências populares, para manter viva a história, o costume do sertanejo". Conforme Zé Vicente, é importante manter a memória dos ancestrais. "Não podemos perder de vista o contato e a proteção da natureza", disse.
Inverno regular
"Teremos um inverno irregular, localizado, chovendo aqui e ali não", disse o agricultor Antônio Alcântara, de 78 anos, que desde criança acompanhava os avós em suas experiências de previsão sobre as chuvas. Baseia-se no Vento Aracati, que sopra sobre o Sertão, vindo do Litoral. "Estava inconstante. Vinha um dia e outros não".
Já o agricultor Hélio Barros acha que haverá inverno. "A gente, que anda pelo mato, vê a formiga, o cupim e faz acertos e erros, mas digo que, quando tem formiga preta subindo e cabeça de prego em abundância, não é seca total".
O agricultor Amadeu da Silva diz que viu cupim com asas, sinais de chuva e reclama que o homem desmatou muito e a natureza mudou. "Perdi duas plantas no ano passado e, neste ano, não vou plantar", disse.
Honório Barbosa / Maristela Crispim
Repórter / Editora

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