terça-feira, 31 de março de 2015

51 ANOS DO GOLPE MILITAR: Um encontro entre ex-presos e carcereiros

Parentes de vítimas do regime militar protestaram em 2014, marco dos 50 anos do golpe que instituiu a ditadura no Brasil
Parentes de vítimas do regime militar protestaram em 2014, marco dos 50 anos do golpe que instituiu a ditadura no Brasil

Dois dias após ser preso em pleno expediente no Banco do Nordeste, o estudante Benedito Bezerril, 26, foi retirado de sua cela e levado para “dar uma volta”. Era fevereiro de 1973, quase nove anos após o golpe militar, que completa hoje 51 anos. O bancário foi arrastado para a “Casa dos Horrores”, na serra de Maranguape, Região Metropolitana de Fortaleza. 

Mesmo breve, a estadia no local, destino dos opositores à Ditadura no Ceará, rendeu-lhe marcas deixadas por doze horas ininterruptas de tortura e fantasmas difíceis de esquecer.

Sempre nu e encapuzado, Benedito foi forçado a se equilibrar sobre uma lata de óleo. Nos pés e testículos, fios de cobre disparavam descargas elétricas. Das 6h da manhã até as 18h, o suplício se repetiu em meio a socos, pontapés e ameaças. “Se você morrer, desaparece aqui mesmo. 

A gente te enterra aqui e ninguém vai saber nunca”, ouvia de um dos agentes. 

“A gente sabia que era assim no País todo, que a qualquer instante podia sumir”, conta o ex-preso político.


Benedito, que tem 68 anos, não integrava a luta armada. Dois anos antes de conhecer a “Casa dos Horrores”, o estudante de Direito da UFC foi preso distribuindo propagandas contra a repressão. Passou oito meses preso. 

Em 1973, voltaria a ser procurado pelo regime.

“Intervenção militar”

Com a memória do sofrimento ainda viva, Benedito admite ter dificuldade para compreender o atual momento do País e as vozes que reivindicam intervenção militar para “moralizar” a política. “Não é aceitável (a volta dos militares). Atende a que interesse?”, pergunta. 


Funcionário do antigo Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), Antônio Rodrigues acompanhou de posição diferente os desdobramentos do golpe de 1964. Antônio era carcereiro quando presos políticos lotavam uma das alas do IPPS. “Nós éramos instruídos a não falar com os presos políticos. Muitos tinham pavor de serem vistos falando com eles”, conta. Mesmo sob o risco de se juntar aos “subversivos”, Antônio desobedeceu a ordem. “Acabei me tornando próximo de muitos deles.

Alguns são amigos até hoje.”

Reencontro

Donos de histórias de vida distintas, Benedito e Antônio se encontram hoje em evento da Secretaria da Justiça (Sejus). A data, que relembra os 51 anos do golpe, promove a reconciliação entre presos e seus antigos carcereiros.

Ainda assim, Benedito e Antônio concordam num ponto: ambos rejeitam a ditadura. “Quem defende isso não sabe o que diz. 

Se existe algum problema hoje, que seja resolvido com mais liberdade”, diz Antônio.



Multimídia


Ditadura Militar

No ano em que a ditadura completou 50 anos, O POVO publicou caderno especial com depoimentos sobre o período. 


Leia o caderno especial 

“O golpe 50 anos depois “
em http://bit.ly/1s4WgeB



SERVIÇO



Encontro entre ex-presos políticos e carcereiros

Quando: às 14 horas
Onde: Sejus - Rua Tenente Benévolo, 1055, Centro.


AL e Câmara fazem sessão solene de 30 anos da redemocratização

Evento conjunto das Casas, por iniciativa de Ronivaldo Maia (PT) e Elmano de Freitas (PT)

Quando: às 19 horas

Onde: Assembleia Legislativa - Av. Des. Moreira, 2807, Aldeota.


Psol relembra anos de chumbo com perseguidos da Ditadura Militar

Evento organizado pelo mandato de João Alfredo, com participação de Nildes Alencar e Silvio Mota.
Quando: às 19 horas

Onde: Sede do Psol Cerá - Av. Imperador, 1397, Centro.

Saiba mais


A Casa dos Horrores era como ficou conhecido um aparelho clandestino dos órgãos de repressão das Forças Armadas. O local fica na zona rural de Maranguape, em uma propriedade vizinha ao depósito de armas da 10ª Região Militar, a 15km do centro do município.


A casa, que funcionou de forma plena no início dos anos 1970, permaneceu desconhecida até o fim do regime militar. Em dezembro de 2014, lista da Comissão Nacional da Verdade (CNV) incluiu a residência entre dez locais que serviam para a prática de tortura.

Atualmente, ex-vítimas do local pedem investigações apuradas sobre as torturas cometidas na casa. O local hoje está abandonado.

Carlos Mazzacarlosmazza@opovo.com.br

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