A experiência realizada por pesquisadores da Unifor foi destaque
em todo o Brasil e no mundo. Os especialistas acreditam que um rebanho
de quatro cabras é suficiente para atender à necessidade do medicamento
no País
Foto: José Leomar
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O primeiro clone caprino transgênico da América Latina completou,
ontem, 10 meses de vida. Gluca foi criada com o objetivo de produzir um
tipo de proteína para combater uma enfermidade rara, mas onerosa. O
sucesso da experiência, realizada por pesquisadores da Universidade de
Fortaleza (Unifor), foi destaque em todo o País e no mundo. Agora, com a
produção de um novo clone, terá início um rebanho destinado à produção
de biomedicamentos.
Beta nasceu no último dia 12, produzida a partir de células da Gluca.
Ou seja, ela é um clone de um clone. Ambas são geneticamente modificadas
a fim de produzir um medicamento para o tratamento da doença de
Gaucher, um problema genético que afeta mais de 700 pessoas no Brasil,
mas representa um custo anual de R$ 140 milhões para o Ministério da
Saúde, segundo os pesquisadores. Quem tem a patologia produz a
glucocerebrosidade humana defeituosa, uma enzima que se torna incapaz de
processar um tipo de lipídio no organismo. Os testes com o primeiro
clone mostraram resultados além do esperado.
"Ela expressa muito bem a proteína. A gente estima entre quatro e oito
gramas por litro", comemora a professora da Unifor e coordenadora do
projeto, Luciana Relly Bertolini. A produção da enzima ocorre pela
glândula mamária, sendo retirada e purificada do leite.
Segundo a professora, que também é doutora em genética e orientadora da
Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio), "o grama da
glucocerebrosidade, custa em torno de R$ 150 mil. É um dos medicamentos
mais caros para o governo brasileiro". Ela explicou, ainda, que as
pessoas que têm a doença de Gaucher precisam receber a medicação a cada
15 dias, para o resto da vida.
Graças aos bons resultados, os pesquisadores acreditam que um rebanho
com apenas quatro cabras é suficiente para atender a toda necessidade do
País, reduzindo drasticamente os custos com a medicação, atualmente
importada. "O Brasil não produz nenhuma proteína recombinante para uso
terapêutico nacionalmente e importa 100% de todos esses medicamentos
biológicos", explicou Leonardo Martins, doutorando da Renorbio e
participante do projeto. "É necessário um estímulo a trabalhos como
este, que busquem uma solução nacional de medicamentos biológicos",
completou.
O processo para o desenvolvimento dos biofármacos ainda deverá levar
cerca de cinco anos. Contudo, as próximas etapas deverão ser mais
rápidas. "Nós começamos a trabalhar em 2011 para produzir a Gluca, que
nasceu em 2014. A Beta já nasceu dez meses depois. A reprodução de um
rebanho depois que se tem o animal fundador é bem mais rápida", disse
Luciana Bertolini. Com os dois clones, a reprodução das próximas cabras
pode ser feita através de inseminação, "se a gente escolher que não quer
uma cópia genética idêntica, mas um animal que tenha a mesma
característica delas", acrescentou.
Testes
Em paralelo à reprodução, está sendo estudado o processamento do leite
das cabras transgênicas. "O da Gluca foi testado e está em processo de
purificação, porque essa proteína está misturada no leite junto com
todas as outras", afirmou a professora. Após esse processo, será testada
a eficiência da enzima como medicamento para, só então, começarem os
testes clínicos. "Para tanto, nós precisaremos ainda da autorização da
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)".
Para realizar o processamento, a pesquisa conta, além da Fundação Edson
Queiroz, com o apoio de um projeto de Subvenção Econômica da
FINEP-2009, em direta colaboração com a Quatro G Pesquisa &
Desenvolvimento Ltda., empresa situada no Tecnopuc da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e a Agropecuária
Esperança Ltda., do Grupo Edson Queiroz.
Apesar do ineditismo da pesquisa, a Unifor é pioneira na área da
genética desde 2012, quando nasceram o primeiro clone caprino do Brasil e
as primeiras cabras transgênicas produzidas para a expressão da
lisozima humana no leite.
Os animais foram resultado do projeto da Rede de Caprino-Ovinocultura e
Diarreia Infantil do Semiárido (Recodisa). O objetivo foi criar
caprinos para a produção de leite com lisozima, uma proteína
antimicrobiana presente no leite materno humano, que age como fonte
extranutricional de resistência a infecções e um aliado no combate à
desnutrição e à mortalidade infantil. Testes toxicológicos e
farmacológicos com o leite estão em fase de conclusão.
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