Em discurso na Casa Branca, Obama disse que a normalização das
relações com Cuba encerram uma "abordagem antiquada" da política externa
americana
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Washington. O presidente dos Estados Unidos, Barack
Obama, anunciou, ontem, o início da normalização das relações com Cuba
reconhecendo que a política de isolamento das últimas décadas fracassou.
Entre as medidas estão a abertura da embaixada americana em Havana pela
primeira vez em mais de meio século após a libertação de um funcionário
americano mantido preso na Ilha por mais de cinco anos, disseram
autoridades dos EUA ontem.
A retomada das relações, rompidas em 1961, marca a mudança mais
significativa da política americana em relação à Cuba em décadas. Embora
o embargo econômico ainda continue em vigor por enquanto, o governo
indicou que gostaria que o Congresso amenizasse ou o levantasse se os
legisladores optassem por isso.
Em um acordo costurado durante 18 meses de negociações secretas
promovidas amplamente pelo Canadá e encorajadas pelo papa Francisco, que
abrigou um encontro final no Vaticano, os presidentes Barack Obama e
Raúl Castro, de Cuba, concordaram em um telefonema em pôr de lado
décadas de hostilidade para encontrar uma nova relação entre os EUA e a
Ilha, que fica a apenas 90 minutos da costa norte-americana.
Além da retomada das negociações, os EUA amenizarão restrições sobre
remessas, viagens e relações bancárias, e Cuba libertará 53 presos
cubanos identificados como prisioneiros políticos pelo governo
americano. Os Estados Unidos acreditam que as medidas representam um
empurrão ao desenvolvimento de empreendedores e críticos cubanos e que
Washington tem mais poder de fogo para melhores condições de direitos
humanos na Ilha se estiver engajado com o regime. Isso forçaria correção
de rumos em Havana não apenas pela pressão direta de cidadãos e
americanos, mas pelo apoio de nações latino-americanas, que se opõem à
política de exclusão dos Estados Unidos.
Planos futuros
Em discurso na Casa Branca, Obama disse que a normalização das relações
com Cuba encerram uma "abordagem antiquada" da política externa
americana. Ao justificar a decisão, o presidente afirmou acreditar que
os EUA poderão "fazer mais para ajudar o povo cubano" ao negociar com o
governo da Ilha. O democrata usou uma frase em espanhol durante o
discurso: "Todos somos americanos".
"Começamos um novo capítulo nas histórias dessas duas nações das
Américas", disse Obama. "Ninguém está bem servido por políticas
desenhadas quando a maioria de nós nem era nascida. Através dessas
mudanças, tentamos criar mais oportunidades para os povos americano e
cubano para iniciar um novo capítulo".
Segundo o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, Obama não tem planos
concretos de visitar Cuba, mas uma viagem presidencial à Ilha não está
descartada. "Se houver uma oportunidade para o presidente visitar, eu
tenho certeza que ele não iria ignorar", disse o porta-voz
norte-americano a jornalistas.
Segundo ele, espera-se que o Congresso americano tome medidas para
suspender completamente o embargo dos EUA a Cuba antes do democrata
deixar o cargo em 2017.
Novos vínculos
Em Havana, Raúl Castro disse que quer restabelecer os vínculos
especialmente no que se refere a viagens, correio postal direto e
telecomunicações. "Esta decisão do presidente Obama merece respeito e
reconhecimento pelo nosso povo", afirmou o presidente cubano.
"Exorto o governo dos Estados Unidos a remover os obstáculos que
impedem os vínculos entre nossos povos", acrescentou o cubano. O anúncio
foi feito em meio a uma série de novas medidas de construção de
confiança entre os dois inimigos de longa data, incluindo as libertações
do americano Alan Gross, preso em Cuba desde 2009, e de três membros do
grupo Cinco Cubanos, presos na Flórida desde 1981.
Segundo autoridades americanas, os espiões cubanos foram trocados por
um funcionário da inteligência americana que estava detido havia mais de
20 anos. Tecnicamente, disseram, Gross não fez parte da troca, tendo
sido solto separadamente por "questões humanitárias".
Em seu retorno aos Estados Unidos, Alan Gross disse que Cuba e Estados
Unidos precisam superar políticas que são "mutualmente beligerantes".
Ele agradeceu a Obama pelos esforços para garantir sua libertação e
garantiu que ele não culpava o povo cubano pelo seu sofrimento. "Dois
erros nunca somam um acerto. Fiquei muito feliz ao ouvir o que o
presidente disse hoje", disse Gross, que foi preso por importar
tecnologia proibida e tentar estabelecer um serviço clandestino de
Internet para judeus cubanos.
Reação nos EUA
A notícia da restauração da diplomacia entre os EUA e Cuba ecoou
profundamente na comunidade de 1,5 milhão de cubanos em solo
norte-americano. Alguns exilados vibraram com a perspectiva de ter
acesso mais fácil a seus familiares. Outros comemoram a possibilidade de
um descongelamento no relacionamento dos dois países.
Um dos principais intermediários do diálogo entre os Estados Unidos e
Cuba, o papa Francisco elogiou a reaproximação entre os dois países,
"com o objetivo de superar, em nome do interesse de seus respectivos
cidadãos, as dificuldades que marcaram suas histórias recentes".
Oposição republicana critica Obama por retomada
Washington. A oposição republicana nos EUA reagiu com
críticas ao anúncio da retomada de relações diplomáticas entre EUA e
Cuba, feito na tarde de ontem pelo presidente americano, Barack Obama, e
pelo homólogo cubano, Raúl Castro.
Os senadores John McCain e Lindsey Graham, duas das principais vozes do
partido republicano em matéria de política externa, criticaram as
medidas de Obama em um comunicado conjunto. Para eles, a mudança de
política reflete "o declínio da América e dos valores que ela
representa". "O acordo é sobre o apaziguamento de ditadores
autocráticos, vândalos e adversários", declararam os senadores.
Tanto McCain como Graham ocuparão posições importantes no Senado
norte-americano a partir de janeiro de 2015, quando o partido democrata
de Obama perderá o controle da Casa para os republicanos, após a
expressiva vitória da oposição nas eleições legislativas de novembro
passado.
McCain será chefe do Comitê de Serviços Armados do Senado, e Graham irá
liderar um subcomitê responsável por supervisionar os gastos do
Departamento de Estado.
Para analista, 'não havia razão para não avançar'
De acordo com o doutor em Sociologia e professor do Instituto de
Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Antonio Jorge
Ramalho da Rocha, a reaproximação anunciada pelo presidente dos Estados
Unidos com Cuba "rompe um padrão estabelecido há mais de 50 anos, no
marco da Guerra Fria, que claramente não produziu os resultados
esperados e se tornou anacrônico nos dias atuais".
Segundo o especialista, Barack Obama demonstrou "coragem política para
tomar decisões que dividem o país". O sociólogo pondera, todavia, que
"não havia razão para ele não avançar", na questão do restabelecimento
de relações diplomáticas com o governo de Raúl Castro e que o momento
escolhido para o anúncio "visa justamente tentar materializar algum
avanço político imediatamente, já que na próxima legislatura o
presidente encontrará dificuldades".
Ramalho também destaca que o gesto norte-americano aumenta as
possibilidades de que haja uma maior abertura política e econômica em
Cuba. "É este o objetivo de ambos", conclui.
Adriano Queiroz
Repórter
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