Sair de casa e enfrentar os engarrafamentos cada vez maiores é um dos
desafios enfrentados por quem vive nas capitais brasileiras. Em
Fortaleza, a frota de carros aumentou, segundo dados do Departamento
Estadual de Trânsito (Detran), 108,5%, nos últimos 10 anos. Enquanto
isso, o crescimento populacional em igual período foi de 10,2%, de
acordo com o IBGE. O comparativo revela que o problema da mobilidade
urbana é, sobretudo, por causa do aumento exagerado da frota de veículos
e não do inchaço populacional.
Em 2004, a Capital contabilizava 2.332.657 habitantes e 441.949
veículos. Em 2014, a população subiu para 2.571.980 e a frota chega a
921.544 (dados até maio desse ano). No Interior, o número é ainda mais
alarmante. Há dez anos, a população era de 5.643.960 e aumentou para
6.270.895 nos dias atuais, um crescimento de 10,8%. Já a frota subiu de
449.358 para 1.531.580 automóveis, o que concretiza um aumento de
240,84% em uma década.
Para se ter uma ideia do que representa esses números, em Fortaleza,
existe um veículo para cada 2,7 habitantes. Dado revelador que a Capital
está na contramão do que se prega em termos de mobilidade, visto que é
preciso maior adesão da população aos coletivos e desvalorização dos
transportes particulares.
A professora Sylvia Cavalcante, coordenadora do Laboratório de Estudos
das Relações Humano-Ambientais da Universidade de Fortaleza (Unifor),
explica que essa situação acontece pela associação de três fatores:
melhoria de vida da população, facilidade no financiamento e diminuição
da qualidade do transporte público. "Nossa cidade não é convidativa para
o uso de outros modais. As calçadas são péssimas e temos pouca
arborização para que as pessoas possam andar a pé. Agora estão fazendo
algumas ciclovias. Mas o transporte público péssimo e a insegurança
fazem com que as pessoas prefiram o carro", diz.
Outro fator relevante é o fascínio que o automóvel exerce. Mais do que
uma necessidade, é também um questão de status. "O carro promete vencer o
tempo e espaço com conforto. Mas hoje não é assim. Às vezes, ir a pé ao
médico pode demorar dez minutos, enquanto que de carro pode levar 20
minutos. O carro não é simplesmente um meio de transporte, ele te dá uma
satisfação e um status que só pode ser comparado à casa própria",
afirma a especialista.
Consequências
Contudo, a professora da Unifor tem uma perspectiva de melhora,
sobretudo se houver uma colaboração dos gestores públicos e usuários. "É
o começo dessa mudança, principalmente, porque as pessoas estão
sofrendo com as consequências desse padrão de mobilidade. Mas precisamos
avançar muito. Todas as obras de mobilidade na cidade só favoreceram o
carro, em quanto que os outros modais continuam esquecidos", alerta.
O promotor de Justiça do Núcleo de Atuação Especial de Controle,
Fiscalização, Acompanhamento e Políticas de Trânsito (Naetran), Antônio
Gilvan Melo, concorda que a falta de planejamento público colabora para
essa situação. "Está tudo errado. Pode até fazer uma outra cidade
elevada, mas não será o suficiente. Só o transporte coletivo poderá ser
uma solução, mas é preciso melhorar a qualidade. É preciso ter vias para
se transitar e é preciso fazer um rodízio para contornar esse caos".
A professora e pesquisadora do curso de Arquitetura e Urbanismo,
Fernanda Rocha, argumenta que - mesmo a cidade estando cheia de obras
que prometem garantir a mobilidade - não se percebe melhora. "Pelo
contrário, só vi piora. Não se resolveu o problema do trânsito, nem da
acessibilidade e muito menos da segurança", argumenta ela, que aponta
ainda em vários problemas sociais decorrentes da falta de socialização.
"As pessoas usam os carros porque têm medo de assalto. Mas a segurança
se dá quando o cidadão ocupa as ruas", diz. Fernanda alerta que se esse
crescimento continuar e não houver uma mudança de mentalidade dos
gestores e da população, a cidade vai entrar em colapso. "É preciso
promover o transporte democrático e trabalhar a educação em relação a
essa sociabilização", alerta.
Karine Zaranza
Especial para Cidade
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