quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O evangelho segundo Odair


 

Dentre os 20 grandes sucessos de Odair José, somente em uma ou outra canção não terá referência à palavra "você". Cantou amores e desilusões à exaustão, em temas como "Eu você e a Praça", "Cade Você", "Eu vou tirar você desse lugar", "Uma vida só (Pare de tomar a pílula)". Mas engana-se quem pensa que a obra do artista, em mais de 40 anos de estrada, está aí resumida.
Odair vem há alguns anos sendo tratado como "cult", abraçado por músicos da nova geração - que, em 2006 lhe prestaram reverência, em "Vou tirar você desse lugar - Tributo a Odair José". Retomando o fôlego da carreira, e caminhando nessa direção, ele lança "Filho de José e Maria (ao vivo)", em CD e DVD. É o registro de show, em 2013, no Theatro Municipal de São Paulo, durante a Virada Cultura da capital paulista. Muito mais ao rock que o de costume, o disco é prova que a pecha de brega, ou a caricatura de cantor ultrarromântico que o acompanha desde a década de 1970, não lhe basta.
Nele, o músico retoma o repertório que lhe rendeu, talvez, a grande polêmica de sua carreira. A nova edição, lançada pela Coleção Canal Brasil e o selo Coqueiro Verde, resgata o roteiro original do disco homônimo de 1977. Concebido originalmente como uma ópera-rock para um LP duplo, o disco foi rejeitado, na época pela gravadora de Odair José, saindo com apenas 10 das 13 faixas originais e com mutilações da censura em vários dos temas.
"Houve um preconceito contra o trabalho. O disco, acho que tinha até faixas adequadas e comerciais. As pessoas ficaram com o pé atrás, 'ah, não vamos deixar esse cantor popular fazer uma ópera. Ele não pode fazer sucesso dessa forma', acho que foi um pouco isso", minimiza Odair, em depoimento de abertura do DVD.
Roteiro
O repertório inclui canções com temática religiosa, aparentemente ingênuas, mas revestidas de forte viés crítico, tocando também tocando em feridas como valores do casamento, a concepção de família, divórcio, o amor entre pessoas do mesmo sexo.

"Os jovens iam no show e ficavam me cobrando. Comecei a colocar nos meus shows três músicas. De repente, aquilo que não era bom, ficou bom. Não sei se as pessoas mudaram a forma de olhar, porque o projeto é o mesmo", situa. Para a primeira releitura do disco, 36 anos depois, Odair se cerca de jovens instrumentistas. A banda responsável pela atual sonoridade inclui o filho de Odair, Junior Freitas (baixo), acompanhado por Caio Mancini (bateria), Conrado Ruther (guitarra), Adriano Magoo (teclado) e Adão Rosa (piano).
O disco "maldito", embora inclua algumas boas levadas, de fato, não tem metade do apelo comercial que outras obras, como "Odair José" (1973) - disco que também teve música censurada, "Uma vida só (Pare de tomar a pílula)", por contrariar campanhas oficiais pelo controle de natalidade.
Polêmica pouca, comparada a temas como "O Casamento", em que descreve a cerimônia que uniu os pais de Jesus - questionando os motivos da união - também o divórcio dos dois, na faixa título, "O filho de José e Maria" ("Maria seguiu seu caminho/ José voltou pra Belém/ E o pobre menino sozinho/ sofreu mais que ninguém").
Até em temas de amor, como "Fora da Realidade", "Não me venda grilos", Odair é questionador. Em "O sonho terminou", faz um apelo à aceitação da homossexualidade ("Todos nós já nascemos um pouquinho bandido/ Todos nós temos no corpo um segredinho escondido (?)/ Não sei porque razão/ você não se assume pra viver").
"Era apenas um projeto diferente. Eu sou músico, um compositor, um artista. Escrevi uma coisa que não é o 'Cadê você'", justifica, Odair, também no depoimento, situando a obra e reforçando o valor que dá às suas demais criações. Ao incurável apaixonado que costumamos ouvir.
DVD/CD
O filho de José e Maria (ao vivo)
Odair José
Coqueiro Verde / Canal Brasil
2014, 13 faixas
R$ 26,90 / R$ 19,90
Fábio Marques
Repórter

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