Demora judicial faz com que muitas crianças deixem de ser
interessantes, já
que o perfil mais procurado para adoção é de crianças
com até dois anos
FOTO: KID JÚNIOR
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Abandonadas logo após nascerem, muitas crianças acabam sendo
encaminhadas para abrigos públicos do Estado. Outras, porém, chegam por
caminhos mais sofridos, depois de serem vítimas de algum tipo de
negligência por parte justamente de quem deveria oferecer amor, carinho e
proteção a elas: os pais. Sem que tenham opção de escolha, acabam tendo
o destino entregue à própria sorte. É essa a realidade das 92 crianças e
adolescentes do Abrigo Tia Júlia.
Destas, 17 estão juridicamente aptas para adoção; três em processo de
adoção, no estágio de convivência, só aguardando a decisão definitiva do
juiz; 23 em processo de destituição familiar; e 40 em manutenção de
vínculo - são as que recebem, mesmo que esporadicamente, visita de algum
parente. Neste ano, sete adoções foram concretizadas com crianças da
instituição, enquanto outras sete crianças retornaram para os seus
lares.
Observa-se, no entanto, uma desproporção. Enquanto o Ceará possui 64
crianças e adolescentes disponíveis para adoção, 337 pretendentes estão
juridicamente habilitados aguardando para adotar uma criança. Em média,
há uma criança disponível para cinco pessoas aptas à adoção. A demora
judicial para definir se a criança está de fato apta para adoção faz com
que muitas deixem de ser interessantes, já que o foco de quem quer
adotar é de crianças de até dois anos.
"A gente fica nessa tentativa de manter o vínculo familiar e muitas
vezes o processo de adoção não caminha tão rápido. Era para ser de seis
meses, mas acaba se estendendo por mais tempo", destaca Iraneide Soares,
assistente social do abrigo Tia Júlia. Ela conta que algumas crianças
chegam com três, quatro, vinte dias de vida. Nesses casos, a equipe
inteira visita a família. Caso a criança tenha sido abandonada, visita a
família ampliada. Não aparecendo ninguém, já partem para a destituição
familiar para que o processo de adoção caminhe mais rápido.
Destituição
Mas, na maioria dos casos, acrescenta a assistente social, o juiz
prefere que o abrigo procure um pouco mais, espere para ver se alguém
aparece e a destituição não acontece. Por lei, a criança só poderia
ficar dois anos institucionalizada enquanto a Justiça decide se ela irá
retornar para a família ou partir para adoção. Contudo, Iraneide conta
que já aconteceram casos que demoraram até oito anos antes de partir
para o processo de adoção.
Para agravar a situação, o Abrigo Tia Júlia opera com capacidade
máxima. A instituição, que dispunha de 75 vagas, em novembro do ano
passado teve que aumentar a sua capacidade para 90, o que foi possível a
partir da aquisição de novos berçários, para dar conta da demanda, cada
vez mais crescente. O número de profissionais, no entanto, continuou o
mesmo.
No próximo dia 10, vão fazer três meses que a dona de casa Edna Brito
Silva, 55, deu entrada nos papeis de adoção para ter a guarda do seu
neto, de pouco menos de um ano. A sua filha, mãe do menino, era viciada
em drogas e acabou sendo assassinada, neste ano, por traficantes. Logo
que soube que a criança estava no Abrigo Tia Júlia, Edna tratou de ir
requerer a guarda do neto. Quase três meses depois, entretanto, ainda
não obteve nenhuma resposta da justiça.
"Disseram que era rápido, mas até agora nada. Enquanto isso, a criança
fica vivendo em uma condição dessas, precária. Falta espaço para as
crianças se acomodarem nos dormitórios, para elas brincarem. É preciso
um ambiente mais saudável. Eu sei que elas cuidam bem aqui, que têm
compromisso, mas não é o ideal. Elas cuidam do que podem, mas não é como
a gente, que tem aquele cuidado, aquele carinho, aquela atenção da hora
da doença, que no caso de uma necessidade está ajeitando, vendo se
precisa de alguma coisa. Em casa eu fico imaginando ele, de noite aqui.
Me dá uma aflição no coração", comenta.
Apesar da indefinição judicial em relação à guarda do neto, Edna conta
que em casa já está tudo preparado para recebê-lo. "Na hora que elas
disserem que posso vir buscá-lo, eu venho correndo. O cantinho dele já
está preparado faz é tempo. Sempre cabe mais um quando o coração da
gente é grande", enfatiza.
Mesmo tendo outros dois netos da mesma filha, de 11 e 6 anos, para
criar, Edna conta que não mede esforços para se fazer presente na
instituição que abriga o neto mais novo. A vontade de estar perto do
pequeno é tão grande, que pelo menos duas vezes por semana ela saí de
seu bairro, no Conjunto Palmeiras, e enfrenta três ônibus só para
visitá-lo no Abrigo Tia Júlia.
Estado precisaria de, pelo menos, mais três abrigos
Apesar da ampliação da capacidade para abrigar as crianças, Luiza
Helena Paiva Frota, coordenadora do Abrigo Tia Júlia, ligado à
Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado (STDS), afirma
que a qualidade do atendimento não foi comprometida. Ela explica que
algumas entram, mas não permanecem por muito tempo. "É claro que fica
aperreado, mas dá para a gente fazer o trabalho. É só gostar e ter
responsabilidade. Mesmo com a grande quantidade de crianças e
adolescentes, dá para dar conta, estamos podendo trabalhar bem",
assegura.
Na avaliação de Alda Maria Holanda Leite, titular da 3ª Vara da
Infância e da Juventude, seriam necessários, para dar conta da demanda, a
criação de pelo menos mais três abrigos públicos no Ceará. Já os
profissionais de abrigos públicos estão esperançosos com a criação da
nova vara. A expectativa é que ela dê maior celeridade aos processos.
Criada em 2 de junho deste ano, ou seja, há exatamente um mês, a 3ª Vara
irá atender, exclusivamente, processos cíveis da infância, onde
predominam os de adoções, pedidos de guarda, etc.
Acumulação
"O processo de adoção é para durar, no máximos, seis meses. Contudo,
esse tempo não vinha sendo cumprido, porque as varas acumulavam, além
desses processos, os dos adolescentes em conflito com a lei, que têm
mais urgência pois, conforme a legislação, devem ser analisados em 45
dias", justifica a juíza.
Ela esclarece que não é bem o processo de adoção que é demorado, mas o
que vem antes dele, de destituição familiar. "A leia orienta a gente a
esgotar todas as chances de a criança voltar para a família biológica e
diz que ela só pode ficar abrigada por dois anos. Então, se tentava por
dois anos basicamente esse retorno familiar", reforça. O que, na visão
da juiza, é uma distorção da lei. "Eu acho que essas buscam devem se
esgotar em no máximo seis meses", frisa.
A partir de agora, como será a titular da 3ª Vara, a magistrada afirma
que vai poder deixar esses prazos mais rígidos. "A criança não pode
passar mais de dois anos sem ter a medida protetiva reavaliada. A cada
dois anos, a gente tem que reavaliar essa medida de acolhimento. Não
significa que ela não possa ficar mais do que isso abrigada, até porque,
se essa criança não encontrou nenhuma pessoa para adotá-la e a família
não a quis de volta, ela não pode voltar para a rua", destaca.
Solteiros, casados, pessoas com união estável e, mais recentemente,
irmãos, formam o perfil de pessoas que podem dar entrada na justiça em
pedidos de processos de adoção. De acordo com a coordenadora das Varas
da Infância e da Juventude, alguns requisitos que são avaliados são a
estabilidade da família, afetividade, harmonia e a renda. Ainda assim,
informa que são as pessoas mais humildes, as que têm menos bens para
dividir, as que mais adotam.
É avaliado também o estado de saúde do adotante e a idade. O código
civil estabelece que entre o adotante e o adotado tem de haver uma
diferença mínima de 16 anos de idade. E, diferente de antigamente,
observa-se que hoje há uma flexibilidade maior em relação à idade da
criança.
Perfil
64 Crianças aptas para adoção em todo o Ceará
31 crianças
33 adolescentes
Sexo masculino - 44
Sexo feminino - 20
7 grupos de dois irmãos
5 grupos de 3 irmãos
1 grupo de 4 irmãos
43 saudáveis
13 paralisia cerebral/hidrocefalia
1 deficiente visual
1 doença tratável
Luana Lima
Repórter
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