quarta-feira, 2 de julho de 2014

CE tem cinco pais aptos a adotar para cada criança

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Demora judicial faz com que muitas crianças deixem de ser interessantes, já 
que o perfil mais procurado para adoção é de crianças com até dois anos 
FOTO: KID JÚNIOR

 

Abandonadas logo após nascerem, muitas crianças acabam sendo encaminhadas para abrigos públicos do Estado. Outras, porém, chegam por caminhos mais sofridos, depois de serem vítimas de algum tipo de negligência por parte justamente de quem deveria oferecer amor, carinho e proteção a elas: os pais. Sem que tenham opção de escolha, acabam tendo o destino entregue à própria sorte. É essa a realidade das 92 crianças e adolescentes do Abrigo Tia Júlia.
Destas, 17 estão juridicamente aptas para adoção; três em processo de adoção, no estágio de convivência, só aguardando a decisão definitiva do juiz; 23 em processo de destituição familiar; e 40 em manutenção de vínculo - são as que recebem, mesmo que esporadicamente, visita de algum parente. Neste ano, sete adoções foram concretizadas com crianças da instituição, enquanto outras sete crianças retornaram para os seus lares.

Observa-se, no entanto, uma desproporção. Enquanto o Ceará possui 64 crianças e adolescentes disponíveis para adoção, 337 pretendentes estão juridicamente habilitados aguardando para adotar uma criança. Em média, há uma criança disponível para cinco pessoas aptas à adoção. A demora judicial para definir se a criança está de fato apta para adoção faz com que muitas deixem de ser interessantes, já que o foco de quem quer adotar é de crianças de até dois anos.
"A gente fica nessa tentativa de manter o vínculo familiar e muitas vezes o processo de adoção não caminha tão rápido. Era para ser de seis meses, mas acaba se estendendo por mais tempo", destaca Iraneide Soares, assistente social do abrigo Tia Júlia. Ela conta que algumas crianças chegam com três, quatro, vinte dias de vida. Nesses casos, a equipe inteira visita a família. Caso a criança tenha sido abandonada, visita a família ampliada. Não aparecendo ninguém, já partem para a destituição familiar para que o processo de adoção caminhe mais rápido.
Destituição
Mas, na maioria dos casos, acrescenta a assistente social, o juiz prefere que o abrigo procure um pouco mais, espere para ver se alguém aparece e a destituição não acontece. Por lei, a criança só poderia ficar dois anos institucionalizada enquanto a Justiça decide se ela irá retornar para a família ou partir para adoção. Contudo, Iraneide conta que já aconteceram casos que demoraram até oito anos antes de partir para o processo de adoção.
Para agravar a situação, o Abrigo Tia Júlia opera com capacidade máxima. A instituição, que dispunha de 75 vagas, em novembro do ano passado teve que aumentar a sua capacidade para 90, o que foi possível a partir da aquisição de novos berçários, para dar conta da demanda, cada vez mais crescente. O número de profissionais, no entanto, continuou o mesmo.
No próximo dia 10, vão fazer três meses que a dona de casa Edna Brito Silva, 55, deu entrada nos papeis de adoção para ter a guarda do seu neto, de pouco menos de um ano. A sua filha, mãe do menino, era viciada em drogas e acabou sendo assassinada, neste ano, por traficantes. Logo que soube que a criança estava no Abrigo Tia Júlia, Edna tratou de ir requerer a guarda do neto. Quase três meses depois, entretanto, ainda não obteve nenhuma resposta da justiça.
"Disseram que era rápido, mas até agora nada. Enquanto isso, a criança fica vivendo em uma condição dessas, precária. Falta espaço para as crianças se acomodarem nos dormitórios, para elas brincarem. É preciso um ambiente mais saudável. Eu sei que elas cuidam bem aqui, que têm compromisso, mas não é o ideal. Elas cuidam do que podem, mas não é como a gente, que tem aquele cuidado, aquele carinho, aquela atenção da hora da doença, que no caso de uma necessidade está ajeitando, vendo se precisa de alguma coisa. Em casa eu fico imaginando ele, de noite aqui. Me dá uma aflição no coração", comenta.
Apesar da indefinição judicial em relação à guarda do neto, Edna conta que em casa já está tudo preparado para recebê-lo. "Na hora que elas disserem que posso vir buscá-lo, eu venho correndo. O cantinho dele já está preparado faz é tempo. Sempre cabe mais um quando o coração da gente é grande", enfatiza.
Mesmo tendo outros dois netos da mesma filha, de 11 e 6 anos, para criar, Edna conta que não mede esforços para se fazer presente na instituição que abriga o neto mais novo. A vontade de estar perto do pequeno é tão grande, que pelo menos duas vezes por semana ela saí de seu bairro, no Conjunto Palmeiras, e enfrenta três ônibus só para visitá-lo no Abrigo Tia Júlia.
Estado precisaria de, pelo menos, mais três abrigos
Apesar da ampliação da capacidade para abrigar as crianças, Luiza Helena Paiva Frota, coordenadora do Abrigo Tia Júlia, ligado à Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado (STDS), afirma que a qualidade do atendimento não foi comprometida. Ela explica que algumas entram, mas não permanecem por muito tempo. "É claro que fica aperreado, mas dá para a gente fazer o trabalho. É só gostar e ter responsabilidade. Mesmo com a grande quantidade de crianças e adolescentes, dá para dar conta, estamos podendo trabalhar bem", assegura.
Na avaliação de Alda Maria Holanda Leite, titular da 3ª Vara da Infância e da Juventude, seriam necessários, para dar conta da demanda, a criação de pelo menos mais três abrigos públicos no Ceará. Já os profissionais de abrigos públicos estão esperançosos com a criação da nova vara. A expectativa é que ela dê maior celeridade aos processos. Criada em 2 de junho deste ano, ou seja, há exatamente um mês, a 3ª Vara irá atender, exclusivamente, processos cíveis da infância, onde predominam os de adoções, pedidos de guarda, etc.
Acumulação
"O processo de adoção é para durar, no máximos, seis meses. Contudo, esse tempo não vinha sendo cumprido, porque as varas acumulavam, além desses processos, os dos adolescentes em conflito com a lei, que têm mais urgência pois, conforme a legislação, devem ser analisados em 45 dias", justifica a juíza.
Ela esclarece que não é bem o processo de adoção que é demorado, mas o que vem antes dele, de destituição familiar. "A leia orienta a gente a esgotar todas as chances de a criança voltar para a família biológica e diz que ela só pode ficar abrigada por dois anos. Então, se tentava por dois anos basicamente esse retorno familiar", reforça. O que, na visão da juiza, é uma distorção da lei. "Eu acho que essas buscam devem se esgotar em no máximo seis meses", frisa.
A partir de agora, como será a titular da 3ª Vara, a magistrada afirma que vai poder deixar esses prazos mais rígidos. "A criança não pode passar mais de dois anos sem ter a medida protetiva reavaliada. A cada dois anos, a gente tem que reavaliar essa medida de acolhimento. Não significa que ela não possa ficar mais do que isso abrigada, até porque, se essa criança não encontrou nenhuma pessoa para adotá-la e a família não a quis de volta, ela não pode voltar para a rua", destaca.
Solteiros, casados, pessoas com união estável e, mais recentemente, irmãos, formam o perfil de pessoas que podem dar entrada na justiça em pedidos de processos de adoção. De acordo com a coordenadora das Varas da Infância e da Juventude, alguns requisitos que são avaliados são a estabilidade da família, afetividade, harmonia e a renda. Ainda assim, informa que são as pessoas mais humildes, as que têm menos bens para dividir, as que mais adotam.
É avaliado também o estado de saúde do adotante e a idade. O código civil estabelece que entre o adotante e o adotado tem de haver uma diferença mínima de 16 anos de idade. E, diferente de antigamente, observa-se que hoje há uma flexibilidade maior em relação à idade da criança.
Perfil
64 Crianças aptas para adoção em todo o Ceará
31 crianças
33 adolescentes
Sexo masculino - 44
Sexo feminino - 20
7 grupos de dois irmãos
5 grupos de 3 irmãos
1 grupo de 4 irmãos
43 saudáveis
13 paralisia cerebral/hidrocefalia
1 deficiente visual
1 doença tratável
Luana Lima
Repórter

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