domingo, 16 de março de 2014

Mil livros publicados e uma vaga na Academia Brasileira de Letras: a saga e o sonho de um nordestino

Felisbelo da Silva tem mais de mil livros publicados (FOTO: Arquivo pessoal)
Felisbelo da Silva tem mais de mil livros publicados (FOTO: Arquivo pessoal)

Ele tem mais de mil livros publicados e apenas um desejo: ser eleito na Academia Brasileira de Letras. Felisbelo da Silva, mais conhecido como Belinho, tem 84 anos, 60 destes dedicados à escrita de livros. Advogado aposentado, escritor, prosador, pensador, poeta e dono de uma biblioteca onde guarda suas 1.091 obras publicadas, Belinho ainda arranja tempo para compor músicas e contar – a quem quiser – a importância de seus livros.
Com saúde de ferro, boa visão e mente criativa, o escritor, natural de Sergipe, já morou em São Paulo, Fortaleza e, atualmente, vive em Salvador. Viúvo, diz ter as lágrimas confortadas em colos de amigas. E são das mulheres as principais lembranças de quando morava na capital cearense, onde residiu por 10 anos no bairro Barra do Ceará. “As mulheres são bonitas demais, amáveis, grudam na gente que é um desespero. Saí de Fortaleza porque elas queriam me bater, me dar paulada. Se eu voltar, vou comprar uma máscara para andar por aí”, brinca.
Na terra de José de Alencar, fez amizades e, inclusive, foi convidado para se candidatar à vaga disponível na Academia Cearense de Letras. Recusou… E recusaria quantas vezes fosse necessário. “Recebi convite da Cearense e da Paulista de Letras, mas eu só quero a Brasileira. Por exemplo, se sou jogador de futebol, só me interessa a Seleção. Não vou jogar em ‘timezinho”, assegura.
O sergipano já morou em São Paulo, Fortaleza e, atualmente, vive na Bahia (FOTO: Arquivo pessoal)
O sergipano já morou em São Paulo, Fortaleza e, atualmente, vive na Bahia (FOTO: Arquivo pessoal)

Entrar na Academia Brasileira de Letras seria como não morrer, para Belinho. Precisa, no entanto, aderir ao consolo da imaginação para tornar-se imortal. Ele tenta há mais de duas décadas realizar o sonho de sustentar um fardão verde-escuro, com ramos de café bordados a fios de ouro. Para assumir a cadeira, baseia-se no volume de obras escritas e publicadas. E insiste que quem duvidar do número (1.091) esteja à vontade para contar obra por obra. “Eu convoco toda a imprensa para vir contar meus livros. Não sou mentiroso. Posso até ganhar o guinness book (Livro dos Recordes), mas isso não me interessa”.

Obras e mais obras
Escreve em todos os gêneros literários, com destaque para o jurídico. Seu primeiro livro, intitulado Como agem os ladrões, refere-se ao tempo em que atuou como investigador de polícia, em São Paulo. “Vendeu muito. De lá para cá nunca mais parei, mas os livros que mais me orgulham são os jurídicos, que estão na praça há cerca de 40 anos”, revela, acrescentando que também produz contos pornográficos, utilizando pseudônimo, com nomes franceses, americanos e italianos. “Eu faço o que o povo compra. Quando passo para a pesada, uso pseudônimo para ninguém saber que sou eu”, brinca.

As obras foram publicados por grandes, médias e pequenas editoras como Nobel, Salesiana, L. Oren, Luzeiro, Ibrex. Alguns dos títulos são Contos do Vigário; Como Redigir Petições, Procurações, Contratos, Distratos, Requerimentos e Atestados (considerado best-seller da Editora Nobel, com mais de 75 mil cópias vendidas); Sexos, Delírios e Tormentos; Loucuras do Sexo. Na prateleira do escritor ainda há livros de piadas, de contos infantis, de pensamentos e de romances. Há também sonetos dedicados à Bahia, às mulheres e à sua querida ABL.
Belinho baseia-se no volume de obras para assumir a vaga na ABL (FOTO: Arquivo pessoal)
Belinho baseia-se no volume de obras para assumir a vaga na ABL (FOTO: Arquivo pessoal)

Mas a maior parte de sua obra está em papel sulfite, em impressões caseiras ou de pequenas gráficas. “Diga para todo mundo que tenho o Grande Dicionário de Gírias Brasileiras, que tem 500 páginas, com o mesmo formato do Aurélio. Ele está à disposição para editores. Quero ver se, nesse ano, a gente coloca para frente”, afirma Belinho, que também é compositor de 225 músicas e já ganhou até Disco de Ouro, com a balada brega Placa de Venda, gravada em parceria com Marcelo Reis.
Mesmo tendo essa gama enorme de produções, para a ABL, volume não parece ser um dos quesitos avaliados por quem julga a entrada de um novo membro. O estatuto estabelece que, para alguém se candidatar, é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito. Seguindo o modelo da Academia Francesa, a ABL é constituída por 40 membros efetivos e perpétuos. Além deste quadro, existem 20 membros correspondentes estrangeiros.
Tentativas
ARTE: Tiago Leite/Tribuna do Ceará
ARTE: Tiago Leite/Tribuna do Ceará

As mais de 15 tentativas de entrar na instituição fizeram de Felisbelo um nome conhecido por membros e organizadores da Academia. “Há 20 anos eu tento entrar nas vagas. Sempre estou lá persistindo e mandando os meus trabalhos. Eles já me conhecem”, conta.
Com o vasto currículo, Felisbelo leva o sonho adiante, certo de que tem méritos para ser “imortal”, como os escritores Gustavo Barroso, José de Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, Rui Barbosa ou Aurélio Buarque de Holanda.
“Eu gosto de escrever e acho que meu lugar é lá. Tem muita gente que está na Academia, mas não tem nada… Cada qual toma conta da sua vida”, alfineta. “Estaria plenamente realizado se fosse chamado para a Academia, porque ela é o cume, o pináculo da glória para um escritor. Por isso eu não desisto”, complementa.
As recusas da ABL não desestimulam o senhor das letras, que continuará insistindo na grande meta de vida. O Mal de Alzheimer, “maldita doença”, como ele próprio diz, é um dos responsáveis para que não pare de escrever.  “Eu não posso parar, uma pessoa que tem arte nas veias não pode deixar de trabalhar. Graças a Deus não sofro de nada”, revela. Realmente, é difícil duvidar. Felisbelo da Silva talvez não tenha se dado conta de que sua vida seja o maior livro que poderia escrever.

Nota da repórter

Conversar com o senhor das letras parece um verdadeiro devaneio. Durante uma hora de entrevista, pudemos passear entre as lembranças, poemas, sonetos e canções do escritor, compositor e – quem sabe – artista. “Você tem tempo, minha filha? Porque quero ler um poema”. Tive a oportunidade de ouvir Felisbelo recitar sonetos como Imortal, dedicado à ABL, e Musa.
O sonho de ocupar a cadeira na Academia preencheu, praticamente, todo o tempo da entrevista. Ao final, Belinho desabafou que está quase se aposentado, não consegue escrever livros com o mesmo fôlego que tinha quando jovem. “Se o gás não acabar, chego no número 2000. Se eu vou para a Academia, não sei. Tudo depende de Deus”, finalizou ainda sorridente.

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