Felisbelo da Silva tem mais de mil livros publicados (FOTO: Arquivo pessoal) |
Ele
tem mais de mil livros publicados e apenas um desejo: ser eleito na
Academia Brasileira de Letras. Felisbelo da Silva, mais conhecido como
Belinho, tem 84 anos, 60 destes dedicados à escrita de livros. Advogado
aposentado, escritor, prosador, pensador, poeta e dono de uma biblioteca onde guarda suas 1.091 obras publicadas, Belinho ainda arranja tempo para compor músicas e contar – a quem quiser – a importância de seus livros.
Com
saúde de ferro, boa visão e mente criativa, o escritor, natural de
Sergipe, já morou em São Paulo, Fortaleza e, atualmente, vive em
Salvador. Viúvo, diz ter as lágrimas confortadas em colos de amigas.
E são das mulheres as principais lembranças de quando morava na capital
cearense, onde residiu por 10 anos no bairro Barra do Ceará. “As
mulheres são bonitas demais, amáveis, grudam na gente que é um
desespero. Saí de Fortaleza porque elas queriam me bater, me dar
paulada. Se eu voltar, vou comprar uma máscara para andar por aí”,
brinca.
Na terra de José de Alencar, fez amizades e, inclusive, foi convidado para se candidatar à vaga disponível na Academia Cearense de Letras.
Recusou… E recusaria quantas vezes fosse necessário. “Recebi convite da
Cearense e da Paulista de Letras, mas eu só quero a Brasileira. Por
exemplo, se sou jogador de futebol, só me interessa a Seleção. Não vou
jogar em ‘timezinho”, assegura.
O sergipano já morou em São Paulo, Fortaleza e, atualmente, vive na Bahia (FOTO: Arquivo pessoal) |
Entrar
na Academia Brasileira de Letras seria como não morrer, para Belinho.
Precisa, no entanto, aderir ao consolo da imaginação para tornar-se
imortal. Ele tenta há mais de duas décadas realizar o sonho de sustentar
um fardão verde-escuro, com ramos de café bordados a fios de ouro. Para
assumir a cadeira, baseia-se no volume de obras escritas e publicadas. E
insiste que quem duvidar do número (1.091) esteja à vontade para contar obra por obra. “Eu convoco toda a imprensa para vir contar meus livros. Não sou mentiroso. Posso até ganhar o guinness book (Livro dos Recordes), mas isso não me interessa”.
Obras e mais obras
Escreve em todos os gêneros literários, com destaque para o jurídico. Seu primeiro livro, intitulado Como agem os ladrões,
refere-se ao tempo em que atuou como investigador de polícia, em São
Paulo. “Vendeu muito. De lá para cá nunca mais parei, mas os livros que
mais me orgulham são os jurídicos, que estão na praça há cerca de 40
anos”, revela, acrescentando que também produz contos pornográficos,
utilizando pseudônimo, com nomes franceses, americanos e italianos. “Eu
faço o que o povo compra. Quando passo para a pesada, uso pseudônimo
para ninguém saber que sou eu”, brinca.
As obras foram publicados por grandes, médias e pequenas editoras como Nobel, Salesiana, L. Oren, Luzeiro, Ibrex. Alguns dos títulos são Contos do Vigário; Como Redigir Petições, Procurações, Contratos, Distratos, Requerimentos e Atestados (considerado best-seller da Editora Nobel, com mais de 75 mil cópias vendidas); Sexos, Delírios e Tormentos; Loucuras do Sexo.
Na prateleira do escritor ainda há livros de piadas, de contos
infantis, de pensamentos e de romances. Há também sonetos dedicados à
Bahia, às mulheres e à sua querida ABL.
Belinho baseia-se no volume de obras para assumir a vaga na ABL (FOTO: Arquivo pessoal) |
Mas
a maior parte de sua obra está em papel sulfite, em impressões caseiras
ou de pequenas gráficas. “Diga para todo mundo que tenho o Grande Dicionário de Gírias Brasileiras,
que tem 500 páginas, com o mesmo formato do Aurélio. Ele está à
disposição para editores. Quero ver se, nesse ano, a gente coloca para
frente”, afirma Belinho, que também é compositor de 225 músicas e já ganhou até Disco de Ouro, com a balada brega Placa de Venda, gravada em parceria com Marcelo Reis.
Mesmo tendo essa gama enorme de produções, para a ABL, volume não parece ser um dos quesitos
avaliados por quem julga a entrada de um novo membro. O estatuto
estabelece que, para alguém se candidatar, é preciso ser brasileiro nato
e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido
mérito. Seguindo o modelo da Academia Francesa, a ABL é constituída por
40 membros efetivos e perpétuos. Além deste quadro, existem 20 membros
correspondentes estrangeiros.
Tentativas
ARTE: Tiago Leite/Tribuna do Ceará |
As
mais de 15 tentativas de entrar na instituição fizeram de Felisbelo um
nome conhecido por membros e organizadores da Academia. “Há 20 anos eu
tento entrar nas vagas. Sempre estou lá persistindo e mandando os meus
trabalhos. Eles já me conhecem”, conta.
Com
o vasto currículo, Felisbelo leva o sonho adiante, certo de que tem
méritos para ser “imortal”, como os escritores Gustavo Barroso, José de
Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, Rui Barbosa ou Aurélio Buarque
de Holanda.
“Eu gosto de escrever e
acho que meu lugar é lá. Tem muita gente que está na Academia, mas não
tem nada… Cada qual toma conta da sua vida”, alfineta. “Estaria
plenamente realizado se fosse chamado para a Academia, porque ela é o cume, o pináculo da glória para um escritor. Por isso eu não desisto”, complementa.
As recusas da ABL não desestimulam o senhor das letras, que continuará insistindo na grande meta de vida. O Mal de Alzheimer, “maldita doença”, como ele próprio diz, é um dos responsáveis para que não pare de escrever.
“Eu não posso parar, uma pessoa que tem arte nas veias não pode deixar
de trabalhar. Graças a Deus não sofro de nada”, revela. Realmente, é
difícil duvidar. Felisbelo da Silva talvez não tenha se dado conta de
que sua vida seja o maior livro que poderia escrever.
Nota da repórter
Conversar
com o senhor das letras parece um verdadeiro devaneio. Durante uma hora
de entrevista, pudemos passear entre as lembranças, poemas, sonetos e
canções do escritor, compositor e – quem sabe – artista. “Você tem
tempo, minha filha? Porque quero ler um poema”. Tive a oportunidade de
ouvir Felisbelo recitar sonetos como Imortal, dedicado à ABL, e Musa.
O
sonho de ocupar a cadeira na Academia preencheu, praticamente, todo o
tempo da entrevista. Ao final, Belinho desabafou que está quase se
aposentado, não consegue escrever livros com o mesmo fôlego que tinha
quando jovem. “Se o gás não acabar, chego no número 2000. Se eu vou para
a Academia, não sei. Tudo depende de Deus”, finalizou ainda sorridente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário