terça-feira, 22 de outubro de 2013

Das muitas faces de Elba

Emerson Maranhão emerson@opovo.com.br
Humberto Mota


Elba Ramalho desconfia. Apesar da amabilidade aparente, vai erguendo barreiras invisíveis entre si e o repórter a cada tentativa de uma prosa que vá além das amenidades de praxe. Mas o terço pendurado no pescoço, acompanhado por medalhas do Espírito Santo, Jesus Cristo, Nossa Senhora são sinais inequívocos que Elba é uma mulher de fé, não de dúvida. E aquele que crê não tem razão para suspeitar.

Pelas mãos da fé, Elba conta de si nestas Páginas Azuis. Não do seu sucesso, dos milhões de discos vendidos, das turnês nacionais e mundo afora. E sim de seus medos, de seus traumas, do “bom marido” que roga à Mãe do Céu, das vidas que salva na sua luta contra o aborto, dos caminhos que percorreu até se reencontrar com o Divino através da Eucaristia, das vantagens da maturidade e do excesso de liberdade que a aprisionava até outro dia.

O POVO - Qual é a sua orientação religiosa hoje?
Elba Ramalho - Eu sou católica. Sempre fui. Nasci numa cidade chamada Conceição, no Alto Sertão da Paraíba, e o nome já é emblemático: a virgem da Conceição, a virgem da Natividade. A nossa padroeira era Nossa Senhora da Conceição. Então, era uma cidade muito pequena, e a gente não tinha outras portas, outras perspectivas senão tudo se fundar ao redor da igreja, né? A causa era a igreja. Aos seis anos eu já era da Cruzada Católica, eu e meus irmãos. E me lembro das disputas do 8 de dezembro para ver quem coroava a santa... Eu tenho uma história com Nossa Senhora muito forte, de amor, de devoção, que eu perdi... Não perdi! Durante um período de dez anos mais ou menos, eu fiquei muito distante, quando cheguei no Rio (de Janeiro)... Jovem, buscando a minha liberdade, vivendo de um jeito que eu achava que era certo. Eu me afastei da igreja, mas nunca deixei de ser cristã. Mas eu sou muito curiosa, eu sou uma pessoa muito aberta, acho que o amor está dentro das pessoas e a verdadeira religião é o amor. E esse amor pode ser desenvolvido até em alguém que está diante de uma mangueira, velha, apenas no estado de repouso de sua mente, e ele pode desenvolver uma conexão profunda com Deus. Mas hoje, depois de muitas experiências, muitas buscas, muitas leituras, muitos estudos, voltei para a Eucaristia, eu faço hoje Eucaristia diária, eu vou à missa todo dia.
OP - Há quanto tempo você voltou a ter essa proximidade com a Igreja Católica?
Elba - Já tem uns 15 anos que eu fui voltando, devagar, até chegar na Eucaristia diária. Voltei para a confissão, voltei para os ritos que eu aprendi com meus pais. E pela devoção à Nossa Senhora e, eu acho que também, um pouco pelas mãos Dela, sabe? Fiz minha colaboração, eu colaboro com várias obras budistas, várias obras espíritas... Estou ligada, aqui em Fortaleza mesmo, a um grupo espírita, porque no fundo, no fundo, nosso propósito é um só: promover o bem e servir. E servir é uma tarefa de grandes almas, eu acho. E isso não depende de religião.

OP - Uma das causas em que você atua com mais intensidade é na luta contra o aborto...
Elba - Na verdade não é nem contra o aborto, eu luto pela vida. Eu prefiro deixar a palavra aborto de lado. É uma palavra tabu, uma palavra que ainda causa muita polêmica, muita complexidade no coração e na mente das pessoas. Trabalho nessa causa sim, e trabalho de uma forma que me dá muita capacidade de falar. Porque eu trabalho no dia a dia com as meninas que querem abortar. Eu não fico na cúpula. Eu sou uma operária do Pró-Vida. Eu saio de minha casa em São Conrado, atravesso Ipanema, Leblon, Copacabana, vou para o Centro, prum boteco no endereço tal, encontrar com uma menina que está vestida com roupa tal, para eu poder dizer ‘prazer’ e olhar para ela, a gente sentar e aconselhá-la a desistir do aborto. Meu trabalho no Pró-Vida é esse.

OP - Você foi uma menina que abortou. Isso lhe marcou muito?
Elba - Muito. Razão para eu ter chegado até o encontro com a menininha no boteco no Centro do Rio de Janeiro ou então, de madrugada, eu me despencar de Copacabana para ir lá para o Méier e achar um hospital para levar uma grávida que está parindo. Esse pós-aborto foi tão traumático e trágico para mim, e para todas as mulheres que eu conheço que fizeram... é o que a gente tenta conscientizar a sociedade, que deveria ser evitado que as mulheres passassem pela experiência. Não é uma experiência que edifique nenhuma mulher nem que restitua à mulher nenhum tipo de dignidade. Pelo que eu passei e pelo que muitas amigas passaram e pelo que as meninas passam. Porque nem sempre aquela menina que eu vou estar com ela aconselhando vai desistir do aborto, muitas delas dão as costas e fazem o aborto, e voltam a me procurar, para compartilhar comigo essa mesma dor que eu tenho há tantos anos. Quer dizer, essa mesma frustração, essa mesma tristeza, essa mesma, vamos dizer assim, culpa. Sabe aquela marca indelével? Aquele espinho que fica na carne? Batendo: pein, pein, pein, pein... “Ah, eu vou tomar um vinho para esquecer”, não esquece. Muitas meninas vão para droga, não esquecem. Tentam o suicídio, não para. Isso é um resultado de morte também dentro de cada mulher que mata o seu próprio filho.

OP - É uma lembrança que nunca vai embora?
Elba - Não. A gente não esquece que matou. A gente se perdoa pelo que te falei, pela misericórdia, por isso que eu vou à missa, eu confessei mil vezes essa culpa. O padre olha para mim e diz: “Você já confessou isso” e eu falo “Já, mas eu estou confessando de novo”. “Não, não precisa”. “Mas eu quero confessar! Eu quero ouvir de alguém que estou perdoada”. As psicólogas me contam que as meninas gritam na sala de terapia: “Tira de mim essa lembrança, essa marca. Tira de mim!”. E não tira. Então, quando eu digo que o Pró-Vida é antes de tudo pró-mulher é nessa questão, que a sociedade precisa entender. As meninas necessitadas do aborto elas não querem de fato fazer o aborto. Elas vão às vezes enganadas, pensando que o aborto é uma solução para os problemas, não é. Ou então elas pensam que não tem uma vida ali, mas tem. A dor do aborto é demoníaca e eu estive frente a frente com ela. Eu falei uma palavra que ninguém gosta de usar, mas quando eu digo demoníaca é no sentido destrutivo, ela é destruidora, é uma energia ruim, é uma sequela grave. Então, eu procurava consertar e nessa procura de consertar eu tive lágrimas de sangue, muita oração, muitos pedidos a Deus que me colocasse numa missão que eu pudesse ser útil a esta causa. Até que cheguei no Pró-Vida.

OP - Sua luta em favor da vida é influenciada pela fé no Catolicismo?
Elba - Não. Independe da Bíblia, que até diz lá no quinto mandamento “Não matarás”. Eu amo meu Senhor, amo Jesus, mas é a minha consciência humanística mesmo. É ver que a sociedade está banalizando a vida da sua própria espécie. Se luta para preservar ovos de tartaruga, se você matar passarinho é preso por três anos, mas já a espécie humana, a raça humana, a gente, nós, ser humano... 150 mil crianças são abortadas todo dia, que tal?

OP - Vamos falar de outro assunto polêmico ligado à religião. O que você acha do casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Elba - Eu acho que as pessoas são livres. Eu vou falar uma coisa para você: eu tenho produtora, minhas melhores amigas (são) gays, eu tenho maquiador, produtor, sobrinhos, primos... Eu convivo com isso com uma naturalidade incrível. Eu rezo com eles, eles rezam comigo. A história é de cada um. Eu deito com quem eu quiser, sou livre para escolher. Hoje eu nem deito com ninguém, porque eu escolhi não deitar com ninguém.

OP - Você é celibatária?
Elba - Sim. Hoje, sou celibatária.

OP - Por quê?
Elba - Porque eu quero, porque eu escolhi isso, como você pode escolher casar com ele ou com ela...

OP - Na verdade, a pergunta é o que te levou ao celibato? Foi uma decepção com os homens?
Elba - Não!! Ave Maria! Que nada, homens são ótimos! Tive relações lindas, homens lindos. Não, sou eu mesma. Por enquanto estou assim.

OP - Há quanto tempo você está celibatária?
Elba - Há dois anos.

OP - Você se arrepende de ter posado nua?
Elba - Até certo ponto, sim.

OP - Até que ponto?
Elba - Até o ponto que eu olho que não é minha história hoje. Então, se eu tivesse um pouquinho mais de maturidade eu não teria feito. Veja só, teve uma época da minha vida que eu era muito livre demais, tão livre que me aprisionei. A minha liberdade se tornou uma prisão, a minha promiscuidade se tornou um grande pecado. Sabendo que essa palavra desagrada a você e a outras pessoas

OP - Promiscuidade ou pecado?
Elba - Promiscuidade. A minha promiscuidade se tornou uma prisão, eu fiquei presa a muitas coisas que me inferiorizavam, que me degradavam como ser humano, como mulher. Eu não me sentia feliz depois. Se pudesse, eu não repetiria essas coisas. A nudez... hoje eu olho assim, não tinha necessidade, eu fico meio com vergonha, na verdade. Eu fico um pouco, mas ao mesmo tempo já fiz, foi uma época da minha vida. Eu fiz achando que o nu artístico...

OP - Você era um sex symbol naquela época...
Elba - Não me achava. Eu não ficava pensando: “ah, olha as minhas pernas!”. Tem pessoas que falam das minhas pernas até hoje (risos). Outro dia no show um rapaz reclamou porque eu estava de calças compridas (risos)... Mas ainda uso as pernas... Elas estão em forma, eu corro na areia, sou atleta, mergulho, faço yoga, sou toda saudável. É porque eu acho que mudei muito meu jeito de ser.

OP - Você está mais calma?
Elba- Estou muito mais serena.

OP - Você credita isso à idade ou à fé?
Elba – Às duas coisas. À maturidade principalmente.

OP - Você fala muito em idade. Ao que parece, você não tem problema com a sua idade.
Elba - Não, de jeito nenhum. Se eu tiver danou-se, aí eu vou ficar louca! (risos). Eu já tive muito medo de morrer, hoje eu não tenho o menor. Aí é que entra a fé, só nesta questão de crer. Quando você crê... eu sei que nada acaba. Seria sinistro um Deus que deu a vida para uma criança, aí você respira e morre. Não! Eu acredito na eternidade, perfeitamente. Acredito que a vida é eterna, acredito na ressurreição, acredito que todos estaremos juntos, se Deus quiser, num futuro lindo, de luz e de muita paz. Então com essa consciência assim, eu vou envelhecendo, segura. Até medo de morrer já tive mais do que eu tenho hoje. Eu não quero me desesperar nessa hora.

OP - Você está muito bem para quem tem 62 anos. Você se imaginava assim com essa idade?
Elba - Não. Não me imaginava não. Mas eu acho que eu estou mesmo! (risos). Eu acredito em você e vou concordar com você, sem ego nenhum (risos). Aí dizem: “Ah, você vive fazendo plástica!”, e eu digo (apontando para o pescoço): “Pode olhar, num vivo não”.

OP - Você já fez cirurgia plástica?
Elba - Já. Fiz uma vez, muitos anos atrás.

OP - Só uma vez?
Elba - Só, depois eu fiz um peeling, que foi o grande barato. Fiz num momento bem bacana, um peeling que foi bem profundo e ele deu essa aparência... Mas eu acho que é a minha serenidade mesmo, a minha alma.

OP - Quando você falou que estava muito feliz há dois anos sendo celibatária, seria por que você vê algo de negativo no sexo?
Elba - Não, não. Ao contrário. É uma escolha mesmo, como eu já bebi uísque e hoje eu detesto, como eu... Não que eu deteste sexo! Eu não detesto. Nesse momento, eu precisava desse tempo. Um tempo para mim, um tempo para meu florescimento interno, vamos dizer assim, para meu jardim. Eu vou arrumar meu quarto, eu vou arrumar minha cama, eu vou arrumar minha sala, eu vou arrumar o meu jardim. Eu vou jogar água nas flores, eu vou colher a flor que eu plantei. Não vou ficar olhando para o jardim do vizinho nem correndo feito uma louca atrás de telefone, aos 60 anos de idade: “Onde é que você está? O que você fez? E aquela periguete? E aquela outra?”. Acaba nisso. As paixões devastadoras acabam nisso, em dor, em transtorno, em lágrimas... Então, eu vivi romances arrebatadores, paixões mesmo até a última gota, porque eu não vou em nada pela metade, também tem isso. Eu não vou em nada superficialmente. E aí chegou um tempo em que eu olhei e vi que eu não tenho passado nenhum momento da minha vida sem estar comigo mesma. Na verdade, o celibato é mais nesse sentido, não é que eu esteja fechada. Se aparecer um “bom José”... Quem sabe, né?, Nossa Senhora não manda um “bom José” (risos). E eu me encante por um homem que esteja à altura do que eu preciso na minha vida neste instante e do que eu tenho a oferecer, que haja uma compatibilidade e uma harmonia, que a gente possa tocar juntos aquele acorde sólido, né? Agora, desavença... tudo que dá poesia, que dá letra de música, que dá samba, ciúme, angústia... eu não quero, sinceramente. Meu último relacionamento (com o músico Cezinha) me ensinou muita coisa. Aprendi que eu não quero este tipo de coisa para mim. (risos).

OP - Seus três relacionamentos mais conhecidos foram com homens de beleza celebrada publicamente: Maurício Mattar, Gaetano Lopes e Cézar Silveira, o Cezinha. A gente pode afirmar que Elba Ramalho só gosta de homem bonito?
Elba - (Gargalhadas) Ah, não sei. Eu tive outro namorado bonito também, o Rogério, eu fiquei quatro anos com ele, eu conheci em Nova York, muito bonito, mas não era muito conhecido... Mas não, eu gosto de pessoas, é porque coincidia. Já hoje eu não olho para ninguém, hoje eu não gosto de nada (risos). Eu até gostava. Mas a beleza não põe mesa.

OP - Foi um acaso, então, esta fartura de homens bonitos?
Elba - Foi, havia sempre algo... Talvez a juventude. Até hoje eu sou muito tentada pelos jovens.

OP - A diferença de idade entre você e seus namorados sempre foi alardeada. Isso lhe incomodava?
Elba - Incomodava, porque é uma sociedade patriarcal, machista. Diga-se de passagem, em que o macho está em primeiro lugar. Então, nunca ninguém questionou Caetano (Veloso) com Paula Lavigne. Ele tem tantos anos a mais que ela. Você viu algum questionamento disso? Mas Elba e Gaetano, Elba e Cezinha... Nossa Senhora! Maurício eram só dez anos, mas como falavam!

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