terça-feira, 5 de março de 2013

Cura de criança traz esperança de geração sem Aids

Ativistas da luta contra a Aids receberam com entusiasmo a notícia de que médicos americanos teriam conseguido curar um bebê infectado com a doença. No Brasil, os cientistas pedem detalhes mais aprofundados sobre o caso FOTO: REUTERS
Menina americana pode ser primeiro caso bem documentado de sucesso em pesquisa contra o vírus HIV
Nova York. O diretor executivo do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ Aids (Unaids), Michel Sidibé, comemorou ontem a notícia sobre a cura de um bebê que nasceu com o vírus da Aids. A notícia foi divulgada por um grupo de cientistas dos EUA e, segundo ele, "dá esperança" para um futuro de uma geração sem a doença.

O fato "reforça a necessidade de investigação e inovação também na área de diagnóstico precoce", ressaltou Sidibé. A análise do diretor executivo está na página da Organização das Nações Unidas (ONU).

Pela pesquisa, a menina, hoje com 2 anos, nasceu com o vírus transmitido pela mãe doente. O bebê foi curado depois de ter sido submetido a tratamento com medicamentos antirretrovirais por um ano e meio. O caso foi apresentado durante a 20ª Conferência Anual sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, nos Estados Unidos.

A médica Deborah Persaud, do Centro Infantil Johns Hopkins do Hospital Universitário de Baltimore, principal autora do estudo, disse que é fundamental que a terapia com medicamento antirretroviral seja introduzida no paciente o mais cedo possível para impedir o avanço dos chamados "estoques escondidos virais".

A única cura completa de uma pessoa contaminada com o vírus HIV, oficialmente reconhecida, é do americano Timothy Brown. Ele foi declarado curado depois de ter passado por um transplante de medula óssea, recebida de um portador de uma mutação genética rara, que impedia o vírus de penetrar nas células. O transplante foi concebido para tratar a leucemia.

Pelos dados da Organização Mundial de Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, aproximadamente 330 mil crianças foram infectadas com o HIV em 2011. No mesmo ano, o Unaids e seus parceiros lançaram um plano global para a eliminação de novas infecções pelo HIV entre crianças até 2015.

Cautela
Apesar de ter recebido com entusiasmo a notícia de que médicos americanos teriam conseguido curar um bebê infectado pelo HIV, cientistas de todo o mundo estão pedindo cautela antes de comemorar os resultados. O trabalho ainda não foi publicado em nenhuma revista especializada e não passou pela chamada revisão por pares, quando os dados de um estudos são esmiuçados por cientistas independentes. No Brasil, os cientistas também pedem detalhes mais aprofundados sobre o caso.

"Se esse resultado for confirmado, vai ser realmente uma coisa incrível. Mas ainda é cedo para tirar qualquer conclusão. Só o tempo é que vai dizer de que forma essa criança vai reagir, se ela vai ficar indefinidamente sem manifestação laboratorial e clínica do HIV", avalia o infectologista Caio Rosenthal, do Hospital Emílio Ribas.

"O problema é que a gente não tem um segmento a longo prazo do caso", acrescenta o infectologista.

Para o médico Adilson Westheimer, o anúncio da cura do bebê nos Estados Unidos não cria, em princípio, nova perspectiva de eliminação do vírus em adultos. "Esse não é o caminho para a cura em adultos. O que foi apresentado pode trazer um direcionamento para cura em recém-nascidos", explica o infectologista do Hospital Heliópolis e da Faculdade de Medicina do ABC, ambos em São Paulo.

Segundo o médico, que considera o anúncio "uma excelente notícia", como se trata de apenas um caso, ainda há muito a ser estudado para entender se essa abordagem pode ser repetida com os mesmos efeitos em outros indivíduos.

Mãe desconhecida
Quando chegou a um hospital na zona rural, em 2010, a mãe da criança já estava em trabalho de parto. Ela deu à luz prematuramente. Como a mãe não havia feito nenhum exame pré-natal, ela não sabia que era portadora do vírus da Aids. Quando um dos exames mostrou que ela estava infectada, o hospital transferiu a criança para o Centro Médico da Universidade do Mississippi, onde o bebê chegou com cerca de 30 horas de vida.

A médica responsável pelo caso, em entrevista ao "New York Times", disse que solicitou duas amostras de sangue com uma hora de intervalo para testar a presença do HIV no RNA e no DNA do bebê. Os exames identificaram 20 mil cópias do vírus por milímetro de sangue, índice baixo para bebês.

Experimento

Sem esperar os exames que confirmariam a infecção, a médica deu à criança três drogas usadas para tratamento, e não para a profilaxia. Com essa terapia, os níveis do vírus diminuíram rapidamente, e ficaram indetectáveis quando o bebê completou um mês de vida. Foi assim até que a criança completasse 18 meses, quando a mãe parou de levá-la ao hospital. Quando elas retornaram, os testes deram negativo. Suspeitando de erro nos exames, ela pediu mais testes. "Foi uma surpresa", disse a pediatra Hanna Gay.

Uma quantidade praticamente desprezível de material genético viral foi encontrado, mas sem vírus que pudesse se replicar.

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