terça-feira, 28 de agosto de 2012

Pesquisa confirma que uso de agrotóxico pode causar câncer

O veneno que fica no ar, no solo, na água e no próprio trabalhador é uma questão que vem dividindo opiniões
Foram identificadas alterações cromossômicas no material analisado dos trabalhadores
Limoeiro do Norte. O uso indiscriminado de agrotóxicos no Ceará traz mais um novo episódio sobre os riscos à saúde, tendo como foco a atividade na região jaguaribana. Especialistas do Centro de Hematologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) realizaram coleta de medula óssea de trabalhadores rurais expostos a agrotóxicos para identificar as chances de "adquirir" câncer. De nove análises completas, em seis foram identificadas alterações cromossômicas.

Representa seis trabalhadores com reais chances de terem algum câncer num tempo breve se continuarem trabalhando com exposição de agrotóxicos. Os trabalhadores atuam em grandes fazendas fruticultoras da Chapada do Apodi, no Município de Limoeiro do Norte.

A pesquisa se soma a outra também realizada pela UFC em Limoeiro, além de diversas feitas em todo o País, que relacionam os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e no meio ambiente. Tudo está em um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em Brasília.

Produção

Na medida em que aumenta sua escala, a produção agrícola no Brasil tem gerado uma série de discussões sobre os impactos que podem causar ao homem. Embora combatendo pragas que atingem a lavoura, o agrotóxico gera danos por duas principais vias: pelo alimento com resíduos de veneno ou ao trabalhador pela exposição a esses produtos.

Na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, é a contaminação ao homem e ao meio ambiente a principal discussão envolvendo a aplicabilidade do agrotóxico. A maior parte das frutas produzidas destina-se à exportação, seguindo o "padrão de qualidade" dos exigentes mercados europeus e norte-americano. Mas, é o veneno que fica no solo, no ar, na água e no homem trabalhador o grande e delicado problema que tomou maiores contornos colocando de lados opostos fruticultores, especialistas e ambientalistas.

A problemática na Chapada do Apodi, já levantada em série de reportagens no Diário do Nordeste, ganhou mais uma repercussão nacional após reportagem especial no programa Globo Rural, da TV Globo. A matéria relacionou pesquisas anteriores envolvendo contaminação da água e do solo na região jaguaribana e a morte do líder comunitário José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, executado sumariamente em abril de 2010. Ele denunciava o abuso de agrotóxicos e a concentração fundiária. O trabalhador rural Valter de Freitas Tavares, de 55 anos, atuou por dois anos e seis meses no setor de adubação de agrotóxicos de uma empresa multinacional. Ao lado do colega de trabalho Luis Gonzaga de Sousa, de 49 anos, tem o laudo mais preocupante, conforme análise dos especialistas do serviço de hematologia da Universidade Federal do Ceará.

Alterações

Após a coleta de amostra da medula óssea, verificou-se que ambos apresentavam alterações cromossômicas, o que implica em grandes chances de manifestaram doenças graves num prazo de até dois anos. "O que identificamos é como se fosse o primeiro passo para se chegar ao câncer. Por isso, eles precisam ser transferidos de setor imediatamente", salienta o médico Luis Ivando, sobre a pesquisa que faz parte de sua tese de mestrado em Medicina.


Fac-símile das diversas reportagens que o Diário do Nordeste publicou sobre a contaminação dos agrotóxicos em trabalhadores

Porém, a pesquisa tomou dimensões maiores, dada a relevância dos resultados. A equipe permanente é numerosa e inclui desde alunos em iniciação científica a especialistas em doenças relacionadas ao sangue.

Foram realizadas 55 coletas de medula óssea, sendo nove analisadas. Destas, seis indicaram positividade para alterações cromossômicas. Os cromossomos em cadeia formam DNA humano, reunindo as principais informações de cada indivíduo.

Quando estava em mãos com os primeiros resultados, o médico-pesquisador Luis Ivando passou a prestar assistência a Walter Freitas, Luis Gonzaga e outros trabalhadores rurais da Chapada do Apodi que apresentaram situação grave. Eles estão todos sendo acompanhados em ambulatório no Hemoce.

Tratamento

Agora, Valter vai periodicamente a Fortaleza para acompanhar sua situação quanto à alteração causada em sem corpo por conta da exposição ao veneno, mesmo ele usando Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). "Se protegesse eu não estaria assim", lamenta o trabalhador, que recebeu com muito pesar a informação de que está entre os laudos mais críticos.

Passa até mesmo por acompanhamento psicológico. Pediu na empresa para mudar para outro setor, que não aplicação de veneno, mas só conseguiu após um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da empresa com o Ministério Público. Dentre as demandas atendidas, a transferência de setor do trabalhador.

Medula
6 das nove amostras recolhidas de medula óssea de trabalhadores rurais expostos a agrotóxicos foram identificadas com chances de "adquirir" câncer

Mais informações:
Departamento de Patologia e Medicina Legal da UFC
Rua Monsenhor Furtado, S/N Rodolfo Teófilo - Fortaleza
(85) 3366.8300 / 3366.8301
Municípios têm 38% mais casos da doença

Limoeiro do Norte.
Os trabalhadores analisados apresentaram alterações cromossômicas em uma de 20 células analisadas. Não estão, portanto, com a doença, mas a caminho de manifestá-la se continuarem com exposições ao veneno. Esse estudo científico dos médicos hematologistas, Ronald Pinheiro e Luis Ivando, é o mais recente envolvendo o impacto dos agrotóxicos na saúde humana.


Valter Tavares é um dos que teve a medula analisada e que ficou constatado que ele pode, em pouco tempo, apresentar a doença FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR

Ao pesquisar um segmento de Municípios da região jaguaribana e relacionar os que têm produção agrícola em grande escala (com aplicação de agrotóxicos), e os que não ressaltam essa atividade, verificou-se que os três com maior atividade agrícola (Limoeiro, Russas e Quixeré) registram 38% mais casos de câncer, segundo registrou a Universidade Federal do Ceará (UFC).

Antes, levantamento do Núcleo Trabalho, Saúde e Meio Ambiente para a Sustentabilidade, do departamento de Saúde Comunitária da UFC, diagnosticou, em 545 pessoas examinadas, que 97% tiveram contato com agrotóxicos e 30% desses trabalhadores apresentaram sintomas de intoxicação. A medula óssea é um tecido gelatinoso encontrado dentro do osso. No popular, é o "tutano", como o que se encontra na "ossada" de boi, típico da culinária nordestina.

Seu exame é o que tem ajudado a relacionar os impactos que os venenos podem causar no homem. Importante que nem todos os agricultores pesquisados trabalham diretamente na aplicação de veneno. Valter fazia, até dois meses atrás, a adubação em áreas onde, horas antes, se aplicava agrotóxicos. Mesmo assim, apresentou situação que denota exposição ao veneno.

De acordo com o médico hematologista Ronald Pinheiro, as alterações cromossômicas verificadas nos trabalhadores costumam ser encontradas em casos de leucemia mieloide aguda. "A gente tem identificado lesões muito precoces nos cromossomos", afirma o médico Luis Ivando. Os especialistas do serviço de hematologia da UFC, em parceria com o Hemoce e tendo entre os financiadores o CNPq, esperam concluir as análises das 55 amostras de medula óssea até dezembro deste ano.

O uso de agrotóxicos em larga escala na forma de coquetéis, bem como a pulverização aérea, são atividades que geram polêmica na região jaguaribana, mais forte ainda com o assassinato do líder comunitário José Maria filho, em 2010, sendo ele um símbolo do combate à pulverização. Produtores de frutas criticam a relação que se faz entre aplicação de agrotóxico e as intoxicações, já que seriam tomados cuidados quanto à exposição, a exemplo dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Aqui são utilizados 14 desses venenos que são proibidos em outras partes do mundo por serem suspeitos de causar danos neurológicos, bem como câncer.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) reuniu dossiê com pesquisas em várias regiões do País relacionando os efeitos dos agrotóxicos na saúde e meio ambiente. Segundo a Associação, pelo menos 30% dos alimentos que o brasileiro consome têm agrotóxico acima do permitido ou que não deveriam ser consumidos.

A reportagem tentou contato com a Câmara Setorial de Fruticultura, que reúne entidades públicas e produtores do agronegócio na região para comentar a relação da pesquisa dos hematologistas com a exposição aos agrotóxicos, mas não obteve retorno. Foi tentado contato com o presidente do órgão, João Teixeira Júnior, mas não foi conseguido atendimento.

MELQUÍADES JÚNIORREPÓRTER

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