O resultado no STF está quase definido. Dos 11 ministros, seis votaram e um, Dias Toffoli, se declarou impedido
Brasília. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), as gestantes de fetos com anencefalia deverão ficar livres do risco de serem processadas criminalmente por aborto.
Após cinco votos favoráveis à possibilidade de a mulher interromper antecipadamente a gravidez em caso de anencefalia do feto, o Supremo suspendeu ontem o julgamento, para retomá-lo hoje à tarde.
Até agora, a maioria dos ministros que votou seguiu o entendimento do relator do caso, Marco Aurélio Mello, para quem "o anencéfalo jamais se tornará uma pessoa". "Não se cuida de vida potencial, mas de morte segura", argumentou ele.Brasília. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), as gestantes de fetos com anencefalia deverão ficar livres do risco de serem processadas criminalmente por aborto.
Após cinco votos favoráveis à possibilidade de a mulher interromper antecipadamente a gravidez em caso de anencefalia do feto, o Supremo suspendeu ontem o julgamento, para retomá-lo hoje à tarde.
Até ontem, apenas o ministro Ricardo Lewandowski havia votado de forma contrária, ao entender que uma interpretação do tipo só poderia ser feita pela mudança no Código Penal.
Apesar de ainda não haver os seis votos necessários para a maioria absoluta que permitiria a interrupção deste tipo de gravidez, o resultado está praticamente definido.
Isso porque o ministro Carlos Ayres Britto, um dos que ainda não se pronunciaram, já declarou em ocasiões anteriores ser favorável à tese. "Se nós, homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre", disse no ano passado.
Segundo o advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) - que propôs a ação-, Luis Roberto Barroso, mesmo que seja considerado aborto, o ato não deve ser punido, pois seria caso menos grave do que as duas exceções de aborto legal: em caso de estupro e risco à vida da gestante.
Em um voto de mais de duas horas, Marco Aurélio disse que o Brasil é um Estado laico e não pode ser influenciado por argumentos religiosos. Ele rebateu um dos principais argumentos contrários ao aborto de anencéfalos, ao dizer que a permissão não abrirá brechas para uma legalização geral do aborto.
"Impedir a interrupção da gravidez sob a ameaça penal equivale à tortura", disse o ministro Luiz Fux.
Já Cármen Lúcia lembrou que a questão não afeta somente as mulheres, mas também os seus maridos e até outros filhos, que criam expectativas na chegada de um irmão que não virá nunca. Joaquim Barbosa e Rosa Weber também foram favoráveis à interrupção da gravidez nestes casos.
O ministro Dias Toffoli declarou estar impedido de participar do julgamento por ter dado parecer no caso quando era advogado-geral da União.
Ainda faltam votar Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. O julgamento será retomado hoje para que Ayres Britto e os outros três ministros se posicionem.
Confirmado o resultado desenhado ontem, toda a mulher comprovadamente grávida de feto anencéfalo pode procurar um hospital público para se submeter a um procedimento médico para a antecipação do parto. Não precisará, como ocorre hoje, recorrer à Justiça para, numa maratona que pode demorar mais de nove meses da gestação, tentar obter uma autorização legal para que ela e o médico não passem a ser acusados de crime.
Sem violação
A maioria dos ministros que votaram ontem julgou que a interrupção da gravidez neste caso não viola o direito à vida, pois o feto seria natimorto, não teria vida, portanto. Por esse entendimento, a interrupção da gestação nesses casos não poderia ser comparada à prática do aborto, considerada crime pelo Código Penal. Ministros ressaltaram que a decisão não é um primeiro passo para a liberação total da prática do aborto no País.
"Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível", afirmou Marco Aurélio Mello. Por isso, não haveria conflito entre a liberdade da mulher de interromper a gravidez nesses casos e a vida que estaria sendo gestada. "Em rigor, no outro lado da balança, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade humana de quem está por vir, justamente porque não há ninguém por vir, não há viabilidade de vida", acrescentou o ministro nas 80 páginas do seu voto.
Igreja
Joana e Marcelo Croxato levaram sua filha, Vitória de Cristo, 2 anos e 3 meses, ao julgamento. A menina, que tem diagnóstico de anencefalia segundo os pais, foi tomada como bandeira contra a liberação do aborto pelos movimentos pró-vida.
A posição majoritária dos ministros que já votaram contraria as teses defendidas pela Igreja Católica e que foi levada, às vésperas do julgamento, aos gabinetes dos ministros. Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a prática da interrupção da gravidez violaria o direito à vida do feto.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu o direito de gestantes interromperem a gravidez de anencéfalos e ressaltou que eles têm baixa sobrevida. "Não está se afirmando que a mulher deve (interromper a gravidez)", disse Gurgel.
Entidades se mobilizam contra a descriminalização
Ativistas contra o abordo estão fazendo vigília em frente ao STF desde terça-feira e afirmam que ficarão no local até o fim do julgamento FOTO: NELSON JR./STF
Brasília/Fortaleza.Um grupo de religiosos faz vigília desde a terça-feira em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Os católicos se uniram a evangélicos e espíritas em orações, pedindo que os ministros rejeitem a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos.
O padre Pedro Stepia, da Paróquia de Lagoa Azul, do Novo Gama, em Goiás, informou que a ideia é manter a manifestação até o fim do julgamento, mesmo que dure mais de dois dias. "Defendemos o espírito da verdade e estamos unidos com todos os irmãos que pensam da mesma forma", afirmou.
Em Fortaleza, o diretor de Comunicação do Movimento da Cidadania pela Vida Brasil sem Aborto, Luís Eduardo Girão, disse que acompanhou o primeiro dia do julgamento "com muita tristeza". "Não está sendo dado o devido valor à vida. Não se mede a vida por questão de horas, dias ou anos. Não temos o direito de decidir sobre isso".
Para Girão, caso a decisão do STF seja favorável à possibilidade de interrupção da gravidez de anencéfalos, irá se abrir precedentes, para que bebês com outras más-formações possam ser abortados. "Daqui a pouco, o homem vai estar selecionando a própria espécie e voltando ao tempo de Hittler", destacou.
O diretor do Movimento Brasil Sem Aborto avalia que está se abrindo uma janela para a descriminalização do aborto em geral. "Com a reforma do código penal, que é muito importante e necessária, esse assunto deverá ser abordado", previu, adiantando que o Movimento continuará mobilizado. "A partir dessa derrota que estamos sofrendo, vamos nos reunir e nos articular, porque muita coisa ainda vem por aí", frisou.
Engrandecedor
A questão que está sendo julgada pelo Supremo faz parte da história da família da empresária Ana Catarina Matos. No ano 2000, a irmã dela, Ana Cecília Nunes Silva, que hoje é missionária no Chile, descobriu que estava grávida de um bebê com anencefalia. Maria Tereza nasceu em dezembro de 2000 e viveu até março de 2001.
"Minha irmã viveu com muita dignidade o desafio que foi colocado diante dela. Nós da família ficamos preocupados no início, mas tínhamos certeza de que ela optaria pela vida. Minha irmã não extirpou o sofrimento", diz.
Para a empresária, a gravidez da irmã e os meses de vida de Maria Tereza foram engrandecedores do ponto de vista humano. "Fortalecemos nossos valores na figura dela, que não tinha a perfeição do corpo, mas tinha a perfeição do espírito. Maria Tereza sorria, interagia, foi muito amada e amou também. Foram meses muito intensos".
A maioria do votos dos ministros pela interrupção da gravidez, ontem, representa para Catarina, a intervenção do Estado no desenvolvimento de novos valores e de uma nova cultura para o povo brasileiro. "A lei tem que ser humana. Não acredito em uma lei que destrua os valores da família", destacou.
Ativistas contra o abordo estão fazendo vigília em frente ao STF desde terça-feira e afirmam que ficarão no local até o fim do julgamento FOTO: NELSON JR./STF
Brasília/Fortaleza.Um grupo de religiosos faz vigília desde a terça-feira em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Os católicos se uniram a evangélicos e espíritas em orações, pedindo que os ministros rejeitem a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos.
O padre Pedro Stepia, da Paróquia de Lagoa Azul, do Novo Gama, em Goiás, informou que a ideia é manter a manifestação até o fim do julgamento, mesmo que dure mais de dois dias. "Defendemos o espírito da verdade e estamos unidos com todos os irmãos que pensam da mesma forma", afirmou.
Em Fortaleza, o diretor de Comunicação do Movimento da Cidadania pela Vida Brasil sem Aborto, Luís Eduardo Girão, disse que acompanhou o primeiro dia do julgamento "com muita tristeza". "Não está sendo dado o devido valor à vida. Não se mede a vida por questão de horas, dias ou anos. Não temos o direito de decidir sobre isso".
Para Girão, caso a decisão do STF seja favorável à possibilidade de interrupção da gravidez de anencéfalos, irá se abrir precedentes, para que bebês com outras más-formações possam ser abortados. "Daqui a pouco, o homem vai estar selecionando a própria espécie e voltando ao tempo de Hittler", destacou.
O diretor do Movimento Brasil Sem Aborto avalia que está se abrindo uma janela para a descriminalização do aborto em geral. "Com a reforma do código penal, que é muito importante e necessária, esse assunto deverá ser abordado", previu, adiantando que o Movimento continuará mobilizado. "A partir dessa derrota que estamos sofrendo, vamos nos reunir e nos articular, porque muita coisa ainda vem por aí", frisou.
Engrandecedor
A questão que está sendo julgada pelo Supremo faz parte da história da família da empresária Ana Catarina Matos. No ano 2000, a irmã dela, Ana Cecília Nunes Silva, que hoje é missionária no Chile, descobriu que estava grávida de um bebê com anencefalia. Maria Tereza nasceu em dezembro de 2000 e viveu até março de 2001.
"Minha irmã viveu com muita dignidade o desafio que foi colocado diante dela. Nós da família ficamos preocupados no início, mas tínhamos certeza de que ela optaria pela vida. Minha irmã não extirpou o sofrimento", diz.
Para a empresária, a gravidez da irmã e os meses de vida de Maria Tereza foram engrandecedores do ponto de vista humano. "Fortalecemos nossos valores na figura dela, que não tinha a perfeição do corpo, mas tinha a perfeição do espírito. Maria Tereza sorria, interagia, foi muito amada e amou também. Foram meses muito intensos".
A maioria do votos dos ministros pela interrupção da gravidez, ontem, representa para Catarina, a intervenção do Estado no desenvolvimento de novos valores e de uma nova cultura para o povo brasileiro. "A lei tem que ser humana. Não acredito em uma lei que destrua os valores da família", destacou.
Questão de direito e de saúde, dizem professoras
Fortaleza. A demora das decisões da Justiça nos casos de pedidos para interromper uma gravidez de anencéfalo traz o risco de infecções e hemorragias decorrentes de abortos feitos após a 12ª semana de gravidez. O ponto de vista médico é da professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Zenilda Vieira Bruno.
"Acredito que se a mulher desejar, deve ser sim permitida essa interrupção. A probabilidade desse bebê sobreviver é quase zero. Seguir com uma gravidez dessas é um absurdo porque o emocional da mulher é muito afetado", afirma a médica.
Para a professora da UFC e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Idade e Família (Negif), Celecina Veras Sales, deve ser dado à família o poder de decisão. "Falar em valorização da vida é muito romântico frente a quem vive o problema. Essa não é uma questão religiosa, mas de saúde pública e de saúde da mulher", opinou.
Celecina avalia que a maioria das mulheres gostaria de interromper a gravidez, mas sofre pressão religiosa, o que gera culpa. "A mulher, principalmente a que é mãe, vive sentindo culpa pelo que acontece com os filhos e nesses casos não é diferente. Ela passa a sentir culpa pela má-formação do feto. A aprovação (do STF) ajudaria a diminuir essa culpa", disse. (KJ)
Fortaleza. A demora das decisões da Justiça nos casos de pedidos para interromper uma gravidez de anencéfalo traz o risco de infecções e hemorragias decorrentes de abortos feitos após a 12ª semana de gravidez. O ponto de vista médico é da professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Zenilda Vieira Bruno.
"Acredito que se a mulher desejar, deve ser sim permitida essa interrupção. A probabilidade desse bebê sobreviver é quase zero. Seguir com uma gravidez dessas é um absurdo porque o emocional da mulher é muito afetado", afirma a médica.
Para a professora da UFC e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Idade e Família (Negif), Celecina Veras Sales, deve ser dado à família o poder de decisão. "Falar em valorização da vida é muito romântico frente a quem vive o problema. Essa não é uma questão religiosa, mas de saúde pública e de saúde da mulher", opinou.
Celecina avalia que a maioria das mulheres gostaria de interromper a gravidez, mas sofre pressão religiosa, o que gera culpa. "A mulher, principalmente a que é mãe, vive sentindo culpa pelo que acontece com os filhos e nesses casos não é diferente. Ela passa a sentir culpa pela má-formação do feto. A aprovação (do STF) ajudaria a diminuir essa culpa", disse. (KJ)
Decisão
Veja o placar até agora
Para o relator do processo, "a criminalização da interrupção da gestação quando o feto não é viável viola os direitos das mulheres."
Marco Aurélio Mello - a favor
A ministra citou que "a anencefalia não é compatível com essas características que consubstanciam a ideia de vida para o direito."
Rosa Weber - a favor
Acompanhou a decisão do relator, mas não apresentou o voto porque precisou deixar a sessão e pediu para que a decisão fosse juntada aos autos
Joaquim Barbosa - a favor
Questionou se era justo pôr uma mulher no júri como "praticante de delito contra a vida". Para ele, a questão é de saúde pública, não de direito penal
Luiz Fux - a favor
"A mulher que não pode interromper essa gravidez tem medo do que pode acontecer, o medo físico, psíquico e de vir a ser punida penalmente", alegou.
Carmen Lúcia - a favor
Para ele, isentar de sanção o aborto de anencéfalos abre portas para interromper gestações de embriões que sofrem ou viessem a sofrer outras doenças
Ricardo Lewandowski - contra
Veja o placar até agora
Para o relator do processo, "a criminalização da interrupção da gestação quando o feto não é viável viola os direitos das mulheres."
Marco Aurélio Mello - a favor
A ministra citou que "a anencefalia não é compatível com essas características que consubstanciam a ideia de vida para o direito."
Rosa Weber - a favor
Acompanhou a decisão do relator, mas não apresentou o voto porque precisou deixar a sessão e pediu para que a decisão fosse juntada aos autos
Joaquim Barbosa - a favor
Questionou se era justo pôr uma mulher no júri como "praticante de delito contra a vida". Para ele, a questão é de saúde pública, não de direito penal
Luiz Fux - a favor
"A mulher que não pode interromper essa gravidez tem medo do que pode acontecer, o medo físico, psíquico e de vir a ser punida penalmente", alegou.
Carmen Lúcia - a favor
Para ele, isentar de sanção o aborto de anencéfalos abre portas para interromper gestações de embriões que sofrem ou viessem a sofrer outras doenças
Ricardo Lewandowski - contra
KÉLIA JÁCOMEESPECIAL PARA NACIONAL
Nenhum comentário:
Postar um comentário