sábado, 10 de março de 2012

Pacientes de todo o Brasil encontram a cura no Ceará

Pessoas do Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão e Região Norte vêm à Capital em busca de órgãos
Na batalha pela vida, diante da necessidade de realizar um transplante de órgão, quase tudo é válido. Recorrer a parentes, amigos, diversos especialistas e até morar fora do Estado de origem na esperança de ter a saúde de volta. Essa é a realidade de milhares de brasileiros que deixam tudo para trás e colocam o pé na estrada em busca da solidariedade. Um dos principais destinos procurados pelos moradores do Norte e Nordeste é o Ceará.

O órgão mais requisitado é o fígado. Segundo dados do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), referência em transplantes no País desde 2002, dos 652 procedimentos realizados nos últimos dez anos, 302 eram pacientes do Ceará (Fortaleza e Interior) e 350 eram de outros Estados, o que corresponde a 53% do total. Somente em 2011, foram realizados 126 procedimentos, sendo 48 em cearenses e 78 pessoas de outras localidades.
O mesmo acontece no Hospital Geral de Fortaleza (HGF). A unidade, que é referência em transplantes de rim, fígado e pâncreas, tem o rim como órgão mais procurado por pacientes de fora do Estado. Em 2010, a unidade realizou 114 procedimentos. Destes, 34 transplantados não eram cearenses, ou seja, 33% do total. Trinta e um ganharam um novo rim, outros dois pacientes, um fígado e uma pessoa realizou um procedimento simultâneo de rim e pâncreas.

Em 2011, o número de pacientes vindos de outros Estados em busca de órgãos no HGF aumentou para 45, em um universo de 143 transplantes, representando 31% do total. Destes, 38 foram de rim, seis de fígado e um simultâneo de rim e pâncreas. No Hospital Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (Hospital do Coração de Messejana), desde 1998 foram realizados 242 transplantes de coração. Destes, 25 eram pacientes de outros Estados, ou seja, 10% do total.

Muitos desses pacientes enfrentam verdadeiras peregrinações até chegar ao Ceará. Foi o caso do policial militar aposentado José Ribamar Alves, 49 anos. Morador de Manaus, capital do Amazonas, em 2004, foi surpreendido com o diagnóstico de cirrose hepática crônica avançada. O quadro de Ribamar era tão grave que ele precisou ser internado imediatamente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital público de Manaus. Na época, os médicos já alertaram à família sobre a possibilidade de o policial militar precisar se submeter a um transplante de fígado.

Porém, até hoje, nenhum Estado da região Norte oferece esse tipo de procedimento. José Ribamar ainda passou dois anos fazendo tratamento com medicamentos, até que, em 2006, foi transferido para Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Lá, ele entrou em uma longa fila na espera de um transplante. Passaram-se novamente outros dois anos e José Ribamar não havia conseguido um fígado compatível. Então, decidiu voltar para Manaus. Lá, encontrou um amigo que havia realizado o mesmo procedimento tão desejado pelo policial militar aqui no Ceará. Foi então que começou a luta para chegar em Fortaleza.

Desafios
Feliz com a notícia e na esperança de ter um resultado positivo, ele procurou o médico gaúcho e pediu a transferência para o Ceará. Segundo ele, inicialmente, encontrou resistência e sentiu descrença por parte do especialista. Mas, enfim, depois de muita conversa, ele aceitou. Entretanto, após alguns meses, em uma visita ao setor de Tratamento Fora do Domicílio (TFD) na Secretaria da Saúde do Estado de Manaus, ele soube que seu nome não havia sido transferido, mas desligado da fila.

Indignado, procurou ajuda. Por meio de outro médico, em junho de 2010, chegou a Fortaleza e, no último mês de janeiro, realizou o tão esperado transplante no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). "Eu sempre amei Fortaleza e defendi o povo cearense no Rio Grande do Sul. Hoje, sinto como se tivesse nascido aqui, já faço parte desse povo que me acolheu tão bem. Considero que a medicina daqui está a nível de primeiro mundo", destaca José Ribamar Alves.

De acordo com o chefe do Serviço de Transplante de Fígado do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), José Huygens Garcia, devido ao serviço ser referência no País, centenas de pacientes provenientes dos Estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão e todas as unidades da Região Norte, que ainda não oferece o serviço, buscam a cura no Ceará. "O nosso hospital possui o melhor serviço de transplante de fígado do Norte e Nordeste e é o maior serviço público de transplante do órgão no Brasil", destaca o médico.

Para a coordenadora da Central de Transplantes do Ceará, Eliana Barbosa, com a boa evolução da área no Estado, o Ceará vem diminuindo as diferenças regionais, pois, antes, a maioria dos pacientes procurava o Sudeste para realizar os procedimentos. Segundo ela, o ideal é que nenhum paciente precisasse sair do seu Estado, mas, por enquanto, o Ceará tem o dever acolher essas pessoas. "Contamos com muitas doações e, por isso, temos o dever de ajudar", afirma.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Referência em transplantes cardíacos no País
Desde 1999, quando o Ceará realizou seu primeiro transplante cardíaco no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, o Estado tem se destacado na realização deste procedimento. Durante estes anos, já foram realizados 242 transplantes cardíacos. Somente em 2011, foram 25 procedimentos, perdendo apenas para o Instituto do Coração em São Paulo em números absolutos.

Isto tem colocado a instituição entre as três maiores transplantadoras de coração do Brasil. Devido ao grande número de transplantes realizados e aos bons resultados obtidos em termos de sobrevida do enxerto, a equipe do Hospital de Messejana é procurada não só por pacientes do Ceará, mas também por pacientes de todo o Nordeste e do Centro-Oeste. Já realizamos transplantes em pacientes da Bahia, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Maranhão, Amazonas, Alagoas e Tocantins.

Isto traz uma solução e um problema. Uma solução, pois estamos devolvendo uma condição de vida para pacientes que tinham uma elevada mortalidade e um problema, pois estes pacientes que vêm de fora, geralmente de nível socioeconômico baixo, não têm onde morar, principalmente após o transplante. No entanto, os transplantados se engajam à equipe e se tornam uma família.

Dr. João David de Souza Neto
Cardiologista do Hospital de Messejana

Estado é o terceiro do País em doadores efetivos
Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), referentes ao ano de 2011, mostram que o Ceará registrou 17,5 doadores por milhão da população. A situação classifica o Estado em terceiro do Brasil com maior número de doadores, perdendo apenas para Santa Catarina com 25,4 e para São Paulo com 19,2 doadores a cada mil habitantes. Segundo a coordenadora da Central de Transplantes, Eliana Barbosa, o Ceará está bem acima da média do País, que é de 10,5 a cada milhão.

Para ela, a disponibilidade dos doadores, impulsionados por apelos da mídia e pelo Movimento Doe de Coração, da Fundação Edson Queiroz, vem contribuindo para fomentar a conscientização da importância da doação voluntária de órgãos no Estado do Ceará. Para se ter uma ideia, em 2003, quando a campanha foi lançada, o Estado deu um salto significativo nos transplantes. Se, em 2000, foram 272 transplantes, em 2001, caía para 202 e em 2002, foram 296. Mas, em 2003, começou um processo crescente desses procedimentos. Foi quando o Estado quase dobrou as doações em um ano, realizando 420 procedimentos. Em 2004, foram feitos 559 transplantes. Sete anos depois, em 2011, o Estado do Ceará mais que dobrou o número de procedimentos, realizando um total de 1.292 cirurgias de órgãos e tecidos.

Para o diretor do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade de Fortaleza (Unifor), Flávio Ibiapina, a campanha Doe de Coração, além de provocar nos cidadãos a consciência do ato de doar, chama atenção dos gestores da saúde para essa questão. Segundo ele, como instituição de ensino, a Unifor estimula a formação dos estudantes da área de saúde tanto pelos aspectos técnicos quanto legais da área de transplantes. "Acho fundamental que todos os profissionais de saúde estejam aptos para trabalhar em prol do transplante e da doação", diz.

KARLA CAMILAREPÓRTER

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