quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Risco de óbito materno é 4 vezes maior que o aceitável

Especialistas alertam que a mulher deve realizar avaliação antes de engravidar
A razão média de óbitos maternos no Ceará é de 78.5, número quatro vezes superior ao preconizado pela OMS
O risco de uma mulher morrer de parto no Ceará é quatro vezes superior ao preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera aceitável o índice de 20 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos. O Ceará vem mantendo, no período de 1997 a 2010, razão média de 78.5 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, segundo dados da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).No Brasil a situação é parecida. A razão média de mortalidade materna no período de 2000 a 2008 é de 74.8 óbitos para cada 100 mil habitantes. A OMS considera que, de 20 a 49 mortes, o índice é considerado médio; entre 50 e 149 óbitos alto e acima de 150 muito alto.

Sobrecarga

Chama atenção ainda o grande número de casos graves envolvendo pacientes encaminhados de municípios cearenses. Para se ter uma ideia, dos 114 óbitos investigados em 2010, no Ceará, 88 são mulheres do Interior, o que representa 77,2%.

Quase a metade, 56 (49,1%) foram decorrentes de causas obstétricas diretas; 46 (40,4%) indiretas; 9 (7,9%) não obstétricas e 2 (2,6%) não especificadas, o que, segundo boletim, demonstra falha no preenchimento da declaração de óbito e na investigação epidemiológica.

A própria Sesa admite que o Ceará vem enfrentando grandes desafios no cumprimento de prazos para a notificação, investigação, análise dos dados e na alimentação no sistema de monitoramento das investigações epidemiológicas do óbito materno. Entretanto, no entendimento do órgão, apenas a vigilância epidemiológica não é fator decisivo e nem suficiente para reduzir óbitos maternos.

"Faz-se necessário uma melhora significativa do cuidado com as gestantes, tanto na atuação básica como na área de assistência obstétrica", frisa o documento publicado.

Hipertensão

Dentre as principais causas de óbito materno no Ceará, está a doença hipertensiva específica da gestação, representando 32,1%, sendo a eclâmpsia, pré-eclâmpsia e a hipertensão materna não especificada as principais patologias. Em segundo lugar, aparecem as síndromes hemorrágicas ante e pós-parto, com 21,4% dos óbitos, seguido das infecções puerperais (10,7%) e do aborto (7,1%).

Óbitos obstétricos indiretos tiveram as doenças do aparelho circulatório (30,4%) como principal causa, seguidas de outras indiretas (23,9%) e hipertensão pré-natal crônica (6,4%).

Na falta de unidades hospitalares adequadas ou até mesmo devido à inexistência de maternidades em algumas regiões do Estado, somado à falta de ginecologistas e obstetras para atender a demanda dos municípios, muitas mulheres são obrigadas a se deslocarem para a Capital.

As unidades mais procuradas por pacientes vindos do Interior são o Hospital César Cals e a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), que realizam em média 450 partos por mês cada um. Seguido do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), que absorve um terço do volume de pacientes do Interior.

Elson Almeida, ginecologista e obstetra do Hospital César Cals, destaca que, além da hipertensão, principal causa de óbito materno, fatores sócio econômicos também contribuem para agravar a situação. Segundo informa, mesmo que a estrutura do Programa Saúde da Família (PSF) melhore, o que diz já estar acontecendo, trata-se de um fator pontual. "Tem que melhorar a educação, alimentação e o sistema de água e esgoto dos municípios. Tudo isso influencia no bem estar da gestação e num desfecho favorável".

Com as mulheres engravidando cada vez mais tarde, o risco de ter doenças associadas é ainda maior. Para o especialista, o ideal é que a mulher realize uma avaliação pré-concepcional, ou seja, faça uma avaliação antes de decidir ter um filho, observando se realmente pode engravidar e quais os riscos. O correto seria primeiro tratar possíveis doenças para engravidar da melhor maneira possível. "É um problema multifatorial, os órgãos competentes deveriam melhorar a atenção básica, secundária e terciária", defende.

Saúde da mulher

A Sesa destaca que existem várias ações nos três níveis de atenção à saúde sendo desenvolvidas com intuito de reduzir a mortalidade materna.

"A Secretaria da Saúde do Estado, em apoio aos municípios, está melhorando as condições de atendimento nas Unidades Básicas de Saúde da Família. Ao invés de postos de saúde improvisados, funcionando em casas alugadas e em condições precárias, a Sesa está concluindo a construção de 150 Unidades Básicas de Saúde da Família", diz nota oficial emitida pela assessoria de comunicação.

Na atenção terciária, o órgão esclarece que o Governo do Estado está concluindo o Hospital Regional Norte, em Sobral, para atender a população de toda a macrorregião, formada por 55 municípios. Segundo informam, a unidade será entregue ainda neste semestre.

Na região de Quixeramobim, acrescenta que será reforçada a assistência à saúde da mulher. No Hospital e Maternidade Regional do Sertão Central, também haverá uma unidade específica para atendimento à mulher.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Um pré-natal benfeito pode fazer a diferença
As três principais causas de morte materna no Ceará são pré-eclâmpsia (aumento da pressão que ocorre no final da gestação), hemorragia (após o parto e eventualmente por aborto feito de forma insegura) e as infecções.

Para reverter a situação, alguns fatores são extremamente importantes: fazer um acompanhamento pré-natal benfeito; criar uma vinculação da gestante com a maternidade, para evitar que ela fique perambulando atrás de um hospital na hora de do parto, e uma assistência adequada para casos graves. Diz-se que o Ceará tem uma boa cobertura de pré-natal, mas a qualidade é muito baixa.

A paciente muitas vezes viaja de uma cidade longínqua, porque a sua cidade não tem condição de realizar o parto, o que aumenta os riscos para ela. É preciso aumentar o número de profissionais habilitados e a fixação de obstetras em locais longínquos, com toda infraestrutura necessária, além de salários atrativos para que o médico queira ir para o Interior.

Edson Lucena
Professor de Obstetrícia da UFC


LUANA LIMAREPÓRTER

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