sábado, 4 de fevereiro de 2012

A espontaneidade de Juvenal Galeno

O III Prêmio Nacional Ideal Clube de Literatura - gênero poesia - teve como homenageado Juvenal Galeno. Ao vencedor, Marco Catalão - de São Paulo -, com a obra inédita "Dicionário Apócrifo", coube a quantia de R$ 30 mil
Juvenal Galeno da Costa e Silva (1836 - 1931) nasceu em Fortaleza no mesmo ano em que se iniciava no Brasil o movimento romântico. Ao graduar-se em Humanidades, no Liceu do Ceará, em 1854, partiu para a cidade do Rio de Janeiro, onde manteve contato com personalidades do mundo cultural, político e literário, como, por exemplo, Machado de Assis, Quintino Bocaiúva e Joaquim Manuel de Macedo - à época, á privava da amizade de José de Alencar, e este fazia rasgados elogios à poesia do seu conterrâneo.

De volta ao Ceará, tornou-se deputado em 1859; em 1887, foi membro-fundador do Instituto Histórico do Ceará, exercendo, também, as funções de diretor da Biblioteca Pública da cidade de Fortaleza.A fonte
Ao lado de uma intensa atividade política e cultural, Juvenal Galeno dedicou-se, com muito afinco, à produção de sua literatura poética e a pesquisas das manifestações as mais diversas do nosso folclore, dando-nos, assim, uma contribuição valiosa para a conservação de elementos formadores de nossa identidade. A ele interessava tudo o que, de uma forma ou de outra, estivesse ligado ao modo de ser do cearense; por conta dessa postura, identifica-se, plenamente, com o propósito interno dos românticos brasileiros, conforme a leitura de José Aderaldo Castelo: (Texto I)

Há, na escritura de Juvenal Galeno, a presença plena dos ideais perseguidos por seus contemporâneos. E, sem dúvida, uma das maiores contribuições de sua poética para a sedimentação dos propósitos românticos, foi o cultivo de uma linguagem simples, muito próxima da dicção popular.

Sua estreia, na literatura, deu-se em 1856, coma obra "Prelúdios poéticos", quando a poesia romântica já atingia a maturidade enquanto gênero e tendência estética. Foi o nosso primeiro grande poeta a revelar-se como uma voz singular de nossa expressão literária, voltando-se para as nossas manifestações culturais, delineando, assim, elementos-chave da configuração da nossa maneira de ser, como podemos perceber no poema "Jangada": (Texto II)

Leitura do poema
Composto sob a forma de sextilhas, em versos de sete sílabas, com rimas alternadas em "ar" (bem ao gosto romântico), esse poema encanta pela extrema simplicidade. Essencialmente cadenciado (recebeu música de Alberto Nepomuceno), realiza-se a partir de jogos de paralelismos e reiteração de imagens. A "jangada" - um de nossos símbolos fundadores - é possuidora de representativa força alegórica, sofrendo um processo de personificação, impondo-se em toda a sua expressividade vital.

A abertura
Logo na primeira estrofe, o pronome adjetivo "Minha", bem dentro dos cânones de individualismo e subjetivismo dos cantares românticos, modifica a "jangada", convertendo-a, assim, em algo singular, pertinente à esfera do sentimentalismo do eu lírico; ainda que "de vela", é um ser autônomo - porque ícone do povo cearense - leva o "vento" em vez de ser por este conduzida; e o seu poder de escolha inscreva o contraste entre os elementos da "terra" e os do "mar".

O corpo
Já em meio às "verdes ondas", bordeja, incoercível, em dúvidas quanto aos caminhos que as águas lhe oferecem; indecisa, não sabe, ainda, o rumo a tomar: se a praia ou o mar. Segue-se, empós, uma enumeração comparativa: a imagem da jangada traz ao eu lírico uma série de associações que revelam graça e harmonia: é "garça", "donzela", "noiva". E, por fim, transmuda-se na "virgem" do seu "sonhar", corporificando o desejo.

Num segundo plano, impõe-se a figura da provedora: acolhe-o na fome, ofertando-lhe o "peixe" - metonímia do que irá sustentá-lo na faina cotidiana. Enfim, o recolhimento: as "verdes ondas", sob a sua dança convidativa, são "falsas" quando tão longe da segurança sinuosa das praias.

FIQUE POR DENTRO

Elementos-chave do discurso lírico
Entende-se por poesia lírica aquela em que, através de jogos imagéticos e diversos recursos expressivos, o eu poemático projeta emoções, volições, isto é, um entrelaçar-se contínuo de sentimentos. Não se deve, no entanto, confundir o eu que se inscreve no texto com aquele que o produz, uma vez que constituem duas instâncias absolutamente distintas: o escritor é um indivíduo real, inserido num contexto histórico, cultural, social etc; já a voz que emana de seus textos é um simulacro, uma máscara - mas uma máscara que faz brotar de si verdades plenas - antiquíssimas, atuais e eternas, como diria o ficcionista e poeta Moreira-Campos.

Trechos

TEXTO I
É com o Romantismo que se desencadeia uma preocupação que dominará a nossa literatura: o compromisso estreito da inspiração e da criação com a realidade brasileira, em última análise uma retomada da tradição colonial alimentada por aquele binômio ou relação homem / terra. (CASTELLO, 1999, p. 186-7)

TEXTO II
Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? / Tu queres vento de terra, / Ou queres vento do mar? / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? /// Aqui no meio das ondas, / Das verdes ondas do mar, / És como que pensativa, / Duvidosa a bordejar! / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? /// Saudades tens lá das praias, / Queres n´areia encalhar? / Ou no meio do oceano / Apraz-te as ondas sulcar? / jangada de vela, / Que vento queres levar /// Sobre as vagas, como a garça, / Gosto de ver-te adejar, / Ou qual donzela no prado / Resvalando a meditar: / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? /// Se a fresca brisa da tarde / A vela vem te oscular, / Estremeces como a noiva / Se vem-lhe o noivo beijar: / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? /// Quer sossegada na praia, / Quer nos abismos do mar, / Tu és, ó minha jangada, / A virgem do meu sonhar: / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? /// Sé à liberdade suspiro, / Vens liberdade me dar; / Se fome tenho - ligeira / Me trazes para pescar! / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? /// A tua vela branquinha / Acabo de borrifar; / Já peixe tenho de sobra, / Vamos à terra aproar: / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar? /// Ai, vamos, que as verdes ondas, / Fagueiras a te embalar, / São falsas nestas alturas / Quais lá na beira do mar: / Minha jangada de vela, / Que vento queres levar?

CARLOS AUGUSTO VIANA
EDITOR

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