segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Apoio na reinserção social de detentos

A voluntária Luíza de Marilac Nunes Andrade, desde de 2004, trabalha na obra 'O Caminho' e acompanha homens que cumprem ou cumpriram pena em atividades laborais, humanas e também espirituais
A voluntária Luíza de Marilac Nunes Andrade, desde de 2004, trabalha na obra 'O Caminho' e acompanha homens que cumprem ou cumpriram pena em atividades laborais, humanas e também espirituais - Foto: Rodrigo Carvalho
O projeto "Tempo de ser Caminheiro" realiza visitas ao presídio e acompanhamento às famílias dos presidiários
"Misericordioso é quem leva em seu coração as misérias dos miseráveis", essas são as palavras de São João Eudes. O santo francês, que tinha como objetivo as ações ver, sentir e agir em prol das pessoas que precisam de ajuda, serve de inspiração para um grupo de voluntários cearenses que acolhem aqueles que vivem no regime aberto ou semiaberto do sistema penitenciário de Fortaleza: a Associação Beneficente São João Eudes - O Caminho.
Fundada em 13 de janeiro de 2004, a instituição tem a finalidade de apoiar a reinserção social para os excluídos pelo cárcere. Uma das coordenadoras do projeto é a terapeuta ocupacional Luiza de Marilac Nunes Andrade. Há sete anos, ela pediu demissão do emprego, saiu de casa e deixou de lado a vaidade supérflua para ser voluntária da obra. "Pode existir na vida pessoas felizes igual a mim, porém mais do que eu acredito que não. Me sinto plena sendo voluntária, pois acredito que não há maior amor que aquele que dá a vida pelo irmão", destaca a missionária.

Além de visitas semanais ao presídio feminino e acompanhamento às famílias dos presidiários Marilac coordena o projeto "Tempo de ser Caminheiro", no qual são realizadas atividades laborais, formação humana e espiritual com dez homens que cumprem pena. O trabalho é realizado no Centro Espiritual Uirapuru (CEU), localizado na Avenida Alberto Craveiro, em Fortaleza.

Para Maria Leonete de Lima, fundadora da obra, a sociedade não pode ficar alheia ao compromisso cristão e deve agir em prol do outro. Segundo ela, o governo age, porém, a médio e a longo prazo, mas há dores que são imediatas. "Se não existisse o voluntariado, milhares de pessoas estariam sofrendo esperando por ajuda. É preciso sair um pouco de si e se dar para alguém. Fazer o bem beneficia tanto quem recebe quanto quem pratica".

O estudante de Direito e voluntário do projeto "Tempo de ser Caminheiro", Sérgio da Silva dos Santos, 36, realiza todo o acompanhamento jurídico dos detentos. Ele conta que, por se identificar com a questão da liberdade do ser humano, sente prazer em ajudar e faz de tudo para que o cumprimento da pena seja o mais adequado.

Apoio e carinho

"Quando essas pessoas saem da prisão, tudo o que precisam é de apoio, uma palavra de conforto, uma esperança para voltar ao mercado de trabalho e isso é o que fazemos aqui, oferecemos o nosso amor sem preconceito", declara.

O estudante, que é casado e pai de dois filhos, ainda se divide entre outros dois trabalhos voluntários na mesma área, o emprego e as aulas da faculdade, mas ele confessa que não seria o mesmo se não pudesse ajudar o próximo com amor.

FIQUE POR DENTRO
Como funciona o "Tempo de ser Caminheiro"?
A experiência do projeto é diurna, os caminheiros chegam as 7horas e regressam às suas casas as 16 horas. No período da manhã, são realizadas atividades laborais e a tarde formação humana e espiritual. Os detentos trabalham na horta, fazem artesanato em cerâmica, estudam, aprendem a rezar, cantam, tocam e trabalham o lado humano e psicossocial. Cada "caminheiro" recebe, durante o período de permanência no projeto, uma ajuda de custo equivalente a 3/4 de salário mínimo e vales transportes oferecidos pela Secretaria da Justiça e Cidadania (SEJUS). O período de permanência no projeto "Tempo de ser Caminheiro" varia de seis meses a um ano, período após o qual a equipe multidisciplinar de profissionais voluntários, avaliando cada caso, encaminha o beneficiado para a seleção de emprego nas empresas que assumem parceria na reinserção destes no mercado formal de trabalho.

Beneficiados aprendem a ler e a escrever
Acusado de latrocínio, o servente de pedreiro Francisco Edio Barbosa, foi julgado e condenado a 21 anos de prisão. Hoje, depois de cumprir 12 anos em regime fechado, ele conta que, quando saiu do sistema penitenciário sentiu muita dificuldade, pois todas as portas que batia se fechavam. Hoje, depois de dez meses participando da obra "O Caminho" ele reencontrou o amor e a solidariedade e aprendeu a ler e a escrever. "Antes, não sabia escrever nenhuma letra e hoje, graças ao voluntariado, já sei assinar o meu nome. Agradeço a Deus por ter me apresentado tanta gente boa".

Essa situação não se restringe apenas a Francisco Edio. Todos os detentos que participam do projeto têm a mesma oportunidade e é por meio do estudo que eles encontram facilidade para serem inseridos no mercado de trabalho. Mas isso tudo se deve à boa vontade de uma professora chamada Maria das Graças de Freitas, 53. Formada em pedagogia, ela trabalha dando aulas de reforço e além dos 16 alunos particulares, pelo menos duas vezes por semana, reserva um tempinho para passar conhecimento aos meninos do projeto "Tempo de ser Caminheiro".

Porém, Maria das Graças precisa pagar uma pessoa para ficar com os alunos do reforço e tirar dinheiro do próprio bolso para a passagem de ônibus. Para ela, o trabalho voluntário é mais que uma missão é uma necessidade da alma. A professora explica que decidiu ajudar os detentos depois que soube da realidade das penitenciárias. Segundo ela, nos presídios muitos não têm oportunidade de crescer como pessoa e precisam ser amados e respeitados ao sair de lá para evitar a reincidência. "Ser voluntário é uma sensação de alegria e prazer. É incrível ver alunos que nunca tinham pegue em um lápis, lendo e escrevendo. A educação gera desenvolvimento".

O agricultor Manuel Pereira Gomes, 62, está há um ano e seis meses no projeto e desde que chegou conseguiu desenvolver sua leitura e escrita. Hoje já lê com muita facilidade e faz contas de matemática. "Nunca imaginei que em Fortaleza existisse um lugar tão bonito com pessoas tão boas e humanas. Todos os dias já acordo com vontade de estar aqui e poder aprender um pouco mais com esses voluntários", destaca.

Contribuição

A socióloga Selma Alves, ressalta sobre a importância da sociedade em contribuir com os problemas sociais tendo em vista que as instituições públicas não dão conta de toda a demanda. Para ela, é dever do cidadão e missão dos cristãos compreender e atuar nos serviços à comunidade. A especialista explica que por meio do trabalho desenvolvido nas instituições e Organizações Não Governamentais aqueles que recebem auxílio e amor passam a ser multiplicadores dessas ações. "Não podemos esperar de braços cruzados que o governo haja. É certo que temos que cobrar o retorno dos impostos que pagamos, mas enquanto isso é preciso prestar serviço para aqueles que necessitam".

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Ganha mais quem serve
Inúmeros são os benefícios de quem faz o trabalho voluntário, mesmo sendo uma ação solidária, sem remuneração, temos ganhos imensuráveis. O que podemos dizer do sentimento que nos dá em fazer a diferença na vida de alguém? Sinto e vejo nos voluntários um profundo amor que nos tira do isolamento. Solidão tem um gosto de morte num vagar solitário de uma vida vazia e também sem sentido.

Atualmente, trabalho como voluntária no Centro Espiritual Uirapuru (CEU), na Associação "O Caminho" com o "Projeto Tempo de Ser Caminheiro", por indicação da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Neste projeto juntamente com uma equipe de voluntários, de várias áreas profissionais, podemos presenciar e acompanhar muitos milagres na vida de pessoas que passam pela experiência do cárcere e com trabalho, amor e fé estão encontrando uma nova forma de viver. Este trabalho abriu uma porta para trabalhar num projeto do programa de fomento do Departamento Penitenciário (Depen), do Ministério da Justiça.

Um dos exemplos, entre tantos, que podemos relatar, vivenciado neste projeto, posso citar o caso de uma pessoa que durante a adolescência chegava a ser pego pela polícia quatro vezes por dia, até que na maior idade foi preso. Ao cumpria sua pena foi indicado pela SEJUS, para fazer parte do programa, citado acima, "Tempo de Ser Caminheiro". Hoje, ele trabalha como voluntário no mesmo programa e também trabalha de carteira assinada.

Você pode imaginar o sentimento de satisfação de poder ver a transformação de vidas e no quanto isso transforma a própria? Sinto como se minha vida fosse preenchida de importância. Libertando quem sou e desenvolvendo meu valor como pessoa. O trabalho voluntário desperta em mim um sentimento de esperança por pertencer a uma humanidade que busca ser melhor. Nossa maturidade cresse quando unimos nossas mentes e nossos corações nos libertando do que nos limita e desenvolvendo a capacidade de amar e de permitir ser amada. O mundo esta em profundas mudanças e a contribuição de cada um formará o mundo melhor para todos.

Rita Pereira
Psicóloga clínica e coaching

KARLA CAMILA
REPÓRTER
 

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