segunda-feira, 11 de julho de 2011

Como o dinheiro público é roubado de prefeituras

Num jogo de cartas marcadas, as licitações de obras e serviços no Interior se tornaram alvo fácil de empresas fraudulentas que seduzem gestores e servidores municipais. O resultado é corrupção, enriquecimento ilícito e manutenção do poder. A empresa libera os pagamentos concedendo a nota fiscal por serviços não prestados - ou mal prestados, ou ainda realizados por servidores do próprio Município. 
O rombo nos cofres públicos pode se originar na contratação irregular da empresa que fornece a merenda escolar, realiza o transporte dos estudantes de escolas municipais, aluga veículos, terceiriza serviços. O mesmo método é repetido não apenas por um, mas por vários esquemas de corrupção apontados e investigados pela Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap), do Ministério Público Estadual (MPE), em parceria com órgãos controladores estaduais e federais.
Nos últimos dois anos, a Procap denunciou esquemas de corrupção que afetaram pelo menos sete gestões municipais e repercutem até hoje. “A fraude em processo licitatório é a porta de entrada para o cofre onde está o dinheiro público”, assevera o promotor Luiz Alcântara, membro da Procap. As investigações têm apontado que o dinheiro desviado está na conta privada de gestores, parentes de gestores e empresas pertencentes a gestores.

CausasMais uma vez, as prefeituras estão no centro das denúncias de corrupção. Segundo os órgãos controladores, há várias explicações para isso. O chefe da Controladoria Geral da União no Ceará, Luiz Fernando Menescau de Oliveira, afirma ter a convicção de que o momento atual, com tantas denúncias de corrupção, reflete maior envolvimento da população, mais transparência, maior acesso aos órgãos controladores e maior engajamento desses órgãos.

Ele reforça a importância da sinergia, que ultrapassa as dificuldades estruturais e segue um plano estratégico pra combater a corrupção. “Cada órgão tem sua expertise. O Ministério Público Estadual (MPE) aciona a Justiça, mas precisa de ajuda no que tange às fiscalizações. Nós, da CGU, podemos fiscalizar recursos federais. Já a Polícia Federal faz levantamentos e investigações. O trabalho está sendo mais efetivo”, argumenta.

Ele elogia o trabalho do Tribunal de Contas dos Municípios, (TCM) que disponibilizou a ferramenta do Portal da Transparência a todos os municípios. “Se temos mais informações, mais transparência, é natural que se encontrem mais problemas relacionados às contas públicas”.

Para ele, o cenário atual revela também mudança de mentalidade. “Sem dúvida, temos hoje o Judiciário acompanhando a evolução das demais instituições, cada vez mais preocupado com os anseios da sociedade”, comemora.

Além do que já foi descoberto, há diversas investigações em andamento. Muito mais coisas estão por vir à tona.

Imagine um município que paga altos valores por serviço de transporte escolar que não é prestado. A empresa venceu a licitação, mas não é proprietária de qualquer veículo. O trabalho não é realizado, mas a nota fiscal é fornecida e o pagamento é efetuado.

Na prática, os veículos que executam os serviços são de pessoas da comunidade, indicadas pelo próprio gestor, que conduzem as crianças em paus-de-arara. A situação não é rara e foi constatada pela Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap).

Além do desvio de dinheiro público, os promotores explicam que a pessoa que faz o transporte no pau-de-arara sente gratidão pelo gestor que o indicou para fazer o serviço. Às vezes, trata-se da única renda da família. O voto é garantido. “O gestor tem, perversamente, o cabresto, porque faz da população dependente dessa renda”, diz o promotor Eloilson Augusto da Silva Landim, da Procap.

Segundo ele, são essas administrações que garantem os votos que elegem deputados e senadores. “São votos encabrestados que levam até o Senado, Câmara Federal e Assembleia Legislativa ilustres desconhecidos”, argumenta Landim.

Ele afirma ainda que essa avalanche de corrupção se dá em razão do sistema eleitoral brasileiro, no qual o candidato precisa de dinheiro para se eleger. “Aí vem a discussão do financiamento público ou não de campanha. Talvez saia mais barato. Na hora que você tem um gasto privado para que alguém se eleja, esse prejuízo vai ter que ter retorno”, defende.

Caixa dois
O promotor Ricardo Rocha explica que todo esse caixa dois vem sendo formado aos poucos. Ele cita uma operação que apreendeu cerca de R$ 3,5 milhões juntos. “Os envolvidos vão juntando para usar exatamente na campanha”. O promotor Luiz Alcântara reforça a fragilidade do sistema eleitoral. Pelas investigações que vêm sendo realizadas, ele identifica que há aumento na contratação de empresas em período pré-eleitoral. Mas isso não significa que em outros períodos eles não estejam alinhados em arrecadar recursos para as campanhas. “A mentalidade é se perpetuar o maior tempo possível. Se é possível permanecer oito anos, vai permanecer”, explica.

Nesse ponto, Alcântara questiona a vinculação política com um serviço transporte de péssima qualidade, com a formação de caixa dois, com esquema de corrupção e vai além. “Nas nossas investigações, em algumas circunstâncias, nós identificamos que essas pessoas (proprietários de empresas fraudulentas), que em alguns casos são presas, são doadoras de campanha de alguns ilustres investigados que sempre se declaram inocentes e desconhecedores dos fatos”, sustenta o promotor.

Segundo os membros da Procap, todas essas investigações podem resultar em candidaturas impedidas pela lei da Ficha Limpa, que impede o político condenado por órgãos colegiados de disputar cargos eletivos. Chefe da Controladoria Geral da União (CGU) no Ceará, Luiz Fernando Menescau de Oliveira, se diz otimista. “Nossos valores enquanto sociedade estão sendo aprimorados. A evolução ocorre num ritmo lento. Mas a lei Ficha Limpa é uma excelente novidade. Os resultados vão acontecer a longo prazo”, acredita.
Não é possível justificar a prática de crimes de corrupção com falta de conhecimento, de equipe e despreparo administrativo. Pelo menos não na opinião da Procuradoria dos Crimes contra Administração Pública (Procap), do Ministério Público Estadual (MPE).

Segundo a Procap, os Municípios têm pago caro por assessoria jurídica e contábil. Além disso, o MPE, a Associação dos Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece), o Tribunal de Contas dos Municípios, a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) já fizeram incansáveis palestras e cursos.

“Pelo nível de qualificação que já receberam, eles já sabem como fazer”, atesta o promotor Luiz Alcântara.

De acordo com o presidente do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), Manoel Veras, existem gestores que têm contas desaprovadas por erros que seriam possíveis de serem solucionados se houvesse conhecimento aprofundado da legislação e, sobretudo, pessoal suficientemente qualificado na administração. “Mas há casos graves, que não são erros pontuais, mas erros, que não merecem essa consideração. Deliberadamente, há intenção de dolo”.

Para o advogado Waldir Xavier, que integra a comissão de consultores jurídicos contratados pela Associação dos Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece), ainda não é possível apontar as causas das irregularidades.

O que existe hoje, segundo ele, é uma série de investigações realizadas pela Procap, que está numa fase embrionária. A Aprece solicitou cópia integral dos procedimentos para conhecer as investigações, caso a caso, assim como a lista de empresas que estariam envolvidas no esquema Moraisinho. “O objetivo é justamente nos inteirarmos sobre onde reside o gargalo, o calcanhar de Aquiles. Mas, de uma forma bem abstrata, eu poderia dizer que há definição de atecnia, que é uma falha técnica”, explica.

Há duas semanas, a Aprece realizou reunião na qual foram feitos esclarecimentos aos gestores e diretrizes de trabalho para evitar que uma atecnia vire irregularidade ou algo mais grave.

“Precisamos que a Procap seja tão ágil na concessão das cópias quanto foi no momento em que divulgou essas informações, de forma genérica e generalizada. Precisamos estar cientes das apurações para que tenhamos condições de avaliar e até colaborar na apuração”, afirma o advogado.

“Prematura”
Conforme Xavier, os órgãos controladores devem cumprir seu papel. “Mas não podemos aceitar como definitiva uma apuração, que ainda vai passar pelo crivo do Judiciário, que ainda vai ser contraditada processualmente. Enquanto estiver na apuração do MP, dos Tribunais de Contas, essa fase é prematura. Estamos no nascedouro da discussão”, pondera.

De acordo com o chefe da Controladoria Geral da União (CGU) no Ceará, Luiz Fernando Menescau de Oliveira, algumas irregularidades estão relacionadas às dificuldades dos municípios e atecnias. Mas, ao mesmo tempo, ele destaca que estas ações que têm ganhado maior repercussão na mídia, resultando em prisões, não se enquadram nesta situação.

“Quando o MPE pede a prisão é porque há crimes, que não ocorreram por mera falta de preparo”, explica.

O POVO tentou falar com a presidente da Aprece, Eliene Brasileiro, mas a assessoria de imprensa do órgão informou que é a assessoria jurídica quem está se posicionando sobre o assunto
É como se o Brasil possuísse duas moedas. Uma chega por meio de repasses federais e é superprotegida, pois conta com a proteção de órgãos razoavelmente estruturados, como Polícia Federal (PF), Controladoria Geral da União (CGU), Receita Federal (RF) e Banco Central (BC), que têm acesso a dados importantes para combater a corrupção. A outra é a moeda vinda dos cofres estaduais e municipais, relegada a segundo plano.

Essa é a reflexão do promotor Luiz Alcântara, da Procuradoria dos Crimes Contra a Administração Pública (Procap), do Ministério Público Estadual (MPE). “Existe um defeito na nossa Constituição que diz: PF só poderá agir se houver interesse da União. CGU só poderá agir se houver envolvimento de verbas federais. Roubou um centavo federal, estamos todos prontos para agir. Mas se for um milhão municipal, não podemos agir”, argumenta.

A dificuldade leva o MPE a trabalhar em conjunto com os órgãos federais, para combater a corrupção. “Essas quadrilhas não diferenciam a moeda. Quem diferencia é a Constituição Federal. Se elas tiverem oportunidade de subtrair moeda federal, subtraem. Se tiverem oportunidade de surrupiar o recurso do município, ou do estado, elas fazem isso”, explica.

Pelas investigações, a Procap tem constatado que as quadrilhas têm desviado recursos municipais, estaduais e federais. “Por isso, justificamos a nossa atuação conjunta. Se não fosse essa parceria, nós teríamos que aperfeiçoar muito nossos órgãos de controle para deixar pelo menos no nível que já estão os órgãos federais”, conclui o promotor.

Criada em 2000, a Procap é coordenada pelo promotor Benon Linhares Neto e tem como assessores Luiz Alcântara e os também promotores Eloilson Augusto da Silva Landim e Ricardo Rocha. Ao longo dos anos, foi conquistando credibilidade e, com isso, acumulando demanda de trabalho.

“Qualquer cidadão pode se dirigir à Procuradoria Geral e denunciar. A demanda é cotidiana, crescente e até nos causa preocupação. Será que temos condições físicas para dar conta?”, questiona Alcântara.

Os demais membros da Procap reforçam a necessidade de aparelhar o setor, com promotores com dedicação exclusiva e veículos, para que deem continuidade ao trabalho de combate à corrupção com celeridade.

Escândalos nos governos
Diante desta situação, Alcântara defende que os municípios não são mais fiscalizados do que Governo Estadual e Federal. “Na TV aberta, você vai ver cotidianamente escândalo envolvendo esferas estaduais, federais e municipais. Quando se diz que a corrupção está generalizada, está mesmo. É escândalo em Ministério dos Transportes, em Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), em Funasa (Fundação Nacional da Saúde). Enfim, em todas as esferas”, diz.

De acordo com o chefe da Controladoria Geral da União (CGU) no Ceará, Luiz Fernando Menescau de Oliveira, a União é até mais fiscalizada do que os municípios. Ele cita o Observatório da Despesa Pública (ODP), ferramenta que passa um pente fino da despesa pública, que consolida e analisa informações a partir de um esforço integrado de todos os órgãos da CGU. Dentro de suas especializações, as unidades transformam dados em conhecimento de alto valor agregado, colaborando para uma melhor gestão dos recursos públicos, por meio do monitoramento dos gastos.
(Lucinthya Gomes)

Por quê

ENTENDA A NOTÍCIA

A transparência, a participação social e a atuação conjunta do Ministério Público Estadual com órgãos controladores estaduais e federais têm intensificado a fiscalização dos gastos públicos, combatendo à corrupção.

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