quarta-feira, 8 de junho de 2011

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José Dumont, como o Padre Cícero, no longa Milagre em Juazeiro, dirigido pelo cearense Wolney Oliveira: filme integra mostra paralela no Cariri
 Seja no sangrento e controverso "A Paixão de Cristo", dirigido por Mel Gibson em 2004, nos monastérios budistas do hollywoodiano "Sete Anos no Tibet" ou nas recentes produções cearenses "Bezerra de Menezes" e "As mães de Chico Xavier", a religião é pano de fundo de filmes que mobilizam grandes plateias aos cinemas. Essa relação entre a sétima arte e o sagrado é tema da edição 2011 do Cine Ceará. O festival homenageia os 100 anos de emancipação política de Juazeiro do Norte - cenário de muitos filmes com tema religioso no Brasil. Como parte da celebração, a cidade caririense sedia uma programação paralela à de Fortaleza, com as mostras "Temática Padre Cícero" (com exibições no Centro Cultural Banco do Nordeste - Cariri) e "Religião e Religiosidade no Cinema" (no Memorial Padre Cícero), essa última titulando também um seminário sobre o tema, que será realizado entre 12 e 14 de junho, também no Memorial, com participação de cineastas, estudiosos do assunto e escritores. Toda a programação é gratuita e aberta ao público.
O seminário inicia com aula espetáculo de Ariano Suassuna, autor da peça "O Auto da Compadecida", que deu origem ao filme homônimo de Guel Arraes. Outros destaques são a conferência "Cinema e Religião", ministrada por João José Miranda Vila-Chã, filósofo e professor da Pontificia Università Gregoriana, de Roma (Itália), e a palestra do jornalista e escritor cearense Lira Neto, autor do livro "Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão", que marca o encerramento do seminário.

Destaque
Para o diretor executivo do festival, Wolney Oliveira, a recorrência marcante da religiosidade na cinematografia brasileira é um dos pontos altos da discussão, mas destaca a efeméride do aniversário de Juazeiro como definitiva para a escolha do tema. As duas mostras reúnem filmes de vários gêneros e épocas, a exemplo do "Pagador de Promessa" (1962), ficção de Anselmo Duarte baseado na peça de Dias Gomes, e também do documentário curta-metragem "Visão de Juazeiro" (1970), de Eduardo Escorel, e do longa do próprio Wolney, "Milagre em Juazeiro" (1999).
O filme de Wolney é um bom exemplo da força de produções com temática religiosa. A obra ganhou uma série de prêmios. Entre outros, o Prêmio Especial do Júri e Melhor Atriz Coadjuvante do 21º Festival de Brasília (Brasil, 1999); "Prêmio Cineclube" e Melhor Ator do 3º Festival Luso-Brasileiro (Portugal, 2000); e Melhor Documentário no Festival Internacional de Montevidéu (Uruguai, 2001).
"Costumo dizer que não fiz um filme, eu paguei uma promessa", lembra Wolney, referindo-se aos sete anos de gravações de "Milagre em Juazeiro", híbrido de documentário e ficção que reconta a história dos acontecimentos extraordinários envolvendo o Padre Cícero e a beata Maria de Araújo. "Queria fazer um filme diferente do que já foi feito. Pela primeira vez, abordou-se a questão religiosa pelo ponto de vista da mulher. O Padre Cícero é fundamental, mas o milagre aconteceu na boca da beata", explica o cineasta.
A religiosidade mesclada à cultura popular permeia ainda o último filme de Wolney, "Os Últimos Cangaceiros", que será lançado em exibição especial no Cine Ceará e conta a história de Durvinha e Moreno, dois sobreviventes do grupo de Lampião.
Outras duas produções cearenses que merecem destaque são os filmes "Bezerra de Menezes" e "As mães de Chico Xavier", produzidos por Luiz Eduardo Girão, considerados "blockbusters" pela quantidade de público que mobilizaram. "Nunca na história nenhum filme cearense fez mais que meio milhão. Acho que até os filmes do Karim Aïnouz, que são de sucesso no Brasil e no mundo, não passaram de 200 mil espectadores", destaca Wolney. Adiantando um pouco o debate sobre os desdobramentos desse tipo de produção, Wolney avalia que o sucesso de filmes como esses e outras produções premiadas recentemente, como o longa "O Grão", de Petrus Cariry, e o curta de animação "Vida Maria", de Márcio Ramos, ainda não é suficiente para se dizer que há um fortalecimento da indústria cinematográfica cearense. "Para isso é necessário que se tenha uma política de estado com objetivo de desenvolver polos de produção no País fora do eixo Rio-São Paulo" conclui. (FM)

EM JUAZEIRO
Seminário "Religião e Religiosidade no Cinema" - De 12 a 14 de junho, no Memorial Padre Cícero. Dia 12 às 17h e nos dias 13 e 14 às 8h30

Mostra "Religião e Religiosidade no Cinema" - De 9 a 11 e 13 a 16 de junho, no Memorial. Às 19 horas

Mostra Oficial de Curta-metragem Nacional - De 9 a 11 e 13 a 16 de junho, no Memorial. Às 19 horas

Mostra Temática Padre
Cícero - Dias 9, 10, 14 e 15 de junho, no Centro Cultural Banco do Nordeste - Cariri. Às 13 horas

Mostra Homenagem
Eduardo Coutinho - Dias 9, 10, 14 e 16 de junho, no CCBNB - Cariri. Às 15 horas. Programação gratuita.

ENTREVISTA
Lira Neto*
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"Acho que o melhor (Padre Cícero do cinema) ainda estar para sair, que é o filme do Sérgio Machado"
Em Juazeiro, qual será o foco de sua palestra?
Vou aproveitar a ocasião para falar um pouco sobre duas coisas: primeiro, como foram os bastidores, o making of, da produção da biografia do Padre Cícero; e segundo, discutir como é para um jornalista agnóstico como eu entrar em contato com a religiosidade do povo sertanejo, o choque, vamos dizer assim, de realidade.

O que muda na história e imagem do Padre Cícero a partir da publicação de seu livro?
Tenho viajado muito para fazer lançamentos do livro pelo País afora. E acho que, se algo mudou, foi mais por aqui, pelo Sul/Sudeste, do que no Brasil nordestino. Mudou um certo desconhecimento que havia em torno da figura do Padre Cícero. Ele é visto por muitos como uma figura folclórica, como se fosse um homem tosco. Toda essa complexidade do Padre Cícero surpreende muito as pessoas que só tinham uma vaga noção. Essas informações que o livro traz, mesmo aí em Fortaleza, eu noto a partir de conversas, que a figura do Padre Cícero era muito cercada de desconhecimento, até mesmo de um certo preconceito. E as pessoas tinham certa reserva em estudar o tema da religiosidade. O livro serve para trazer novas luzes sobre esses temas.

Como o livro repercutiu entre quem defende a beatificação e quem é contra?
Tive dois tipos de reações muito nítidas e é sempre curioso notar que pessoas acabam lendo de forma independente do autor. No caso do Padre Cícero, tive reações bem diferentes e bem distintas. Teve gente que me disse que fiz uma biografia que mostra que o padre é um santo. Simultaneamente, tem gente que diz que fiz um estudo que desmembra o "maquiavelismo dele". Então, talvez os dois tenham razão ou nenhum. Isso acontece quando se escreve mostrando os vários ângulos. Aconteceu a mesma coisa com o Castelo Branco.

Vamos ter uma mostra com filmes. Como é que você vê o caso de Padre Cícero no cinema?
Entre os Padres Cíceros no cinema, tem um que eu gosto bastante, em que ele foi interpretado pelo Jofre Soares, nos anos 70 ("Padre Cícero - Os Milagres de Juazeiro", do diretor Hélder Martins). Outra performance que acho que vale a pena é a do Stênio Garcia, na mini-serie da Globo ("Padre Cícero", 1984, escrita por Aguinaldo Silva e Doc Comparato). Mas acho que o melhor ainda estar para sair, que é o filme do Sérgio Machado, baseado no meu livro. Não porque o livro é meu, mas pelo talento, pelo elenco que ele vem costurando, que ainda não foi divulgado. Acho que vem contribuir para essa galeria de tipos. No festival, teremos uma noção melhor (com a Mostra Temática Padre Cícero), porque dará maior poder de comparação, de análise. Isso é uma das grandes contribuições do evento.

Jornalista e autor do livro "Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão" (Companhia das Letras, 2009)

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