domingo, 15 de maio de 2011

"A alma dela é milagrosa"


 (IANA SOARES)
(IANA SOARES)
A HISTÓRIA DA MOÇA RICA QUE VIROU SANTA, NA BOCA DO POVO. MARIA CELINA MORREU NA VIRADA DE UM JIPE, NA ESTRADA DE CAMOCIM. E QUEM SOUBE DELA – E DO INFORTÚNIO - CANONIZOU SUAS BONDADES
Quem fez o bem na vida realiza milagre na morte. Essa é a canonização do povo, ligeira feito a necessidade da graça. “Quando dei fé, tinha um caroço no meio do seio, do lado direito”, narra Judite Oliveira, 67, histórias que santificam Maria Celina Nóbrega (1929-1960) de geração a geração. Dona Judite mora numa casa na beira da CE-085, próximo a Camocim (379,3 km de Fortaleza). Tinha de viajar a Sobral ou a Capital para fazer o tratamento. “Aí, minha cunhada disse: ‘Faz umas preces pra alma da Maria Celina, que pode ser que não precise’”. Não precisou, diz a devota.
“A alma dela é milagrosa”, atesta, igualmente, Antônio de Oliveira Irmão, 59, no balanço do viver dentro duma rede. Cuidando da saúde, tantas vezes restabelecida por Maria Celina (credita), ele desfia a história da moça rica que virou santa na boca do povo. “Era bonita, pele clara... Eu era menino, nesse tempo”, avista o meio-dia daquele 8 de outubro de 1960, quando um porco cruzou a “rodagem”. “Isso aí foi uma virada dum jipe. Vinha ela, o pai e duas moças... O carro ficou com as rodas pra cima”, retrata. Maria Celina teria sido jogada para fora do jipe e batido a cabeça em uma pedra.
E o povo vai imaginando a dor daquele segundo de morte. No cenotáfio que demarca o lugar do acidente - e que, com o tempo, mais parece um pé de ex-votos cultivado no acostamento da CE-085 -, brotam pedras e pedras. Maria do Socorro Neto, moradora da rodovia, acredita que “quando a pessoa tem dor de cabeça, aí, diz: ‘Vou levar uma pedrinha pra Maria Celina’” e fica curada.
E por que as garrafas d´água, deixadas aos montes, misturadas a coroas de flores, a tocos de velas e a outros objetos votivos, dona Socorro? “Porque ela pode ter morrido com sede, porque tava viajando... Você acende uma vela pra ela, oferece um metro de fita”. E, assim, a história das precisões vão se entrançando e ganhando os enfeites das narrativas populares. Quem soube de Maria Celina e do infortúnio de meio século atrás canonizou as bondades. “O pessoal diz que ela era uma pessoa muito boa. Quando um pobre morria, ela tirava a roupa do corpo e fazia a veste do finado ou anjo”, arremata dona Socorro.
De prosa em prosa, pela CE-085, chega-se a Araras – comunidade a dez quilômetros de Barroquinha (penúltima cidade do Estado, no rumo do Piauí). Ali o vento é mensageiro e logo um parente de Maria Celina se apresenta. Jonas Nóbrega Filho, 53, tinha três anos quando a prima morreu.
Mas a memória só alcança o velório, na fazenda Araras, a curvas e curvas do centro da comunidade, por estradinha de terra. Um lugar no meio do mato, sombreado por mangueiras. Um dessas fotografias sertanejas em sépia: morada sem forro, completa pela casa de farinha e pelo armazém (hoje, desativados). Foi ali que Maria Celina nasceu e se criou para a santidade.
Francisca de Carvalho, 71, caseira da fazenda, pousou ali “na idade de cinco, seis anos”, diz, quando o fazendeiro Luís Nóbrega “acabou de me criar”. Celina, então, inteirava a juventude, aos 17. “Era forte, alta, cabelo cortado rebaixado... Só andava bem arrumada, bem pintada”, restaura dona Francisca, para quem a moça tinha mesmo um destino incomum. “Ela gostou de um rapaz, mas acabou-se logo. Deus não queria que ela casasse mesmo”, presume.  
Jonas Nóbrega Filho, 53, é primo de Maria Celina e também acredita que ela é milagrosa. “Era uma pessoa de família considerada bem de vida. E era uma pessoa generosa, não dizia ‘não’ para ninguém”.
Ana Mary C. Cavalcante
anamary@opovo.com.br
Cláudio Ribeiro
claudioribeiro@opovo.com.br

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