Esperança de vida: o garoto Wilas da Silva Oliveira, de 11 anos, depois de passar pelo coma e pela operação, quer voltar a jogar bola com os amigos na cidade de Aquiraz JOSÉ LEOMAR |
Há pouco mais de dez dias, a vida de Wilas da Silva Oliveira, de 11 anos de idade, quase chega ao fim. Vítima de hepatite fulminante - forma mais aguda da doença e que mata em menos de uma semana, passou por dois hospitais, o São José, onde a mãe, Robênia da Silva, recebeu o diagnóstico; e o Infantil Albert Sabin, de onde saiu já em coma para o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC).
Ali começou a corrida contra o tempo para salvar a vida do menino franzino com o fígado necrosado, residente no município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza.
Receios
Foram momentos de muita tensão a família e para a equipe de profissionais do Hospital Universitário (Hospital das Clínicas) chefiada pelo médico Huygens Garcia. O caso só tinha uma saída: um transplante imediato do fígado.
Por essa condição, Wilas foi colocando na primeira posição da fila do transplante não só estadual, mas de toda a região Nordeste. "Nunca rezei tanto em minha vida e chorei também", conta a Robênia.
Em menos de um dia, como num passe de mágica, apareceu um doador, vítima de trânsito, na cidade de Sobral, a 233 km de Fortaleza. Com o tempo quase esgotado, o apoio e ação da Central de Transplantes do Estado foram fundamentais.
Um avião levou a equipe até o município da região Norte, retirou o órgão do doador e o trouxe sem perder um minuto para Fortaleza. "Não conseguia olhar nem para o relógio, tamanha a minha aflição", conta a mãe do paciente.
Com o "coração na boca", mas procurando manter a calma e o equilíbrio, a equipe do HU entrou na sala de cirurgia na madrugada do dia 20.
Pela frente mais uma dificuldade: como transplantar um fígado de um homem de 65 anos e 75 quilos em um garoto de pouco mais de 25 kg? Sem pestanejar, os médicos do Hospital das Clínicas decidiram utilizar, pela primeira vez, no Ceará, a técnica de redução de órgão.
"A gente conseguiu descartar 60% do fígado, exatamente do lombo direito, que é a maior parte desse órgão, e com extremo cuidado se fixar no lombo esquerdo e prepará-lo para implantar no menino", informou Huygens Garcia. O procedimento durou cerca de cinco horas e teve sucesso absoluto.
Passado o tremendo susto, sair da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e estar na enfermaria em plena recuperação, Wilas já consegue sorrir e relatar o que aconteceu. "Foi tudo rápido. Estava muito ruim mesmo e pensei que ia morrer". Emocionada, a mãe não sai de seu lado e agradece a equipe do hospital. "Para mim, eles são verdadeiros santos, salvaram meu filho da morte e isso não tem preço e nem obrigado que pague", conta com os olhos cheios de água. Para mãe e filho, a vida recomeça agora cheia de planos. O primeiro deles, confidencia Wilas, é voltar a jogar bola com o s amigos. Mas, isso, garante o chefe da equipe médica, Huygens Garcia, somente daqui há três meses. "Até lá, só a volta às aulas".
Solidariedade
75 quilos é quanto pesava o homem de 63 anos, que morreu vítima de acidente de trânsito, no município de Sobral, região Norte do Estado, cujo fígado foi retirado e transplantado
25 quilos é o peso de Wilas da Silva Oliveira, 11 anos, vítima de hepatite fulminante - forma mais aguda da doença e que mata em menos de uma semana. O garoto já saiu da UTI
CEARÁ
Dois mil cardíacos deixam de ser operados por ano
A vida de pacientes cardiopatas no Ceará corre graves riscos. A crise no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), a superlotação do Hospital de Messejana, aliada a saída de hospitais particulares conveniados do Sistema Único de Saúde (SUS), estrangularam o serviço com prejuízo direto para quem mais precisa da cirurgia.
Segundo o cirurgião cardiovascular e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, Glauco Lobo, o Ceará com seus 8,5 milhões de habitantes deveria realizar em média três mil cirurgias cardíacas por ano. Porém, o sistema público custeou, nos últimos quatro anos, em torno de mil operações ano, ou seja, três vezes menos que a média nacional e 15 menos que nos Estados Unidos.
Que o diga, o auxiliar de serviços gerais José Francisco da Silva, de 42 anos de idade e com um quadro de miocardite ou coração dilatado. O diagnóstico inclui a cirurgia, mas Francisco está em casa e aguarda, com ansiedade, ser internado e passar pelo procedimento.Ele é um dos que deixam de ser operados em consequência do descaso com a saúde pública e engrossam a fila de 150 pacientes/mês que simplesmente não conseguem atendimento na rede pública. A informação é de Glauco Lobo.
A denúncia é referendada pelo chefe de Cardiologia do Hospital de Messejana, Frederico Augusto de Lima e Silva. Segundo os dois especialistas, o HM, constantemente com os corredores da emergência lotados de macas, não consegue atender a demanda de todo o Estado.
"O Serviço de Cardiologia do Hospital de Messejana possui 200 leitos, todos lotados", confirma Lima. Segundo ele, as dificuldades estão se multiplicando até porque o quadro de um paciente cardíaco é muito mais complicado do que de um que sofre de outras patologias mais simples. "Estamos operando mais do que nossa capacidade e isso é ruim para o sistema".
Para Lobo, o Hospital de Messejana e o Hospital das Clínicas devem congregar as melhores condições de trabalho, e receber apoio necessário para o seu funcionamento. "Entretanto muito pouco do que foi determinado pelo Ministério da Saúde está sendo feito para o atendimento do cardiopata".
ONDE OPERAR?
Falta opção de tratamento aos doentes cardíacos
As doenças cardíacas pedem pressa. Mas para onde ir em caso de emergência? Se a saída para os cardiopatas eram os leitos conveniados aos Sistema Único de Saúde (SUS) nos hospitais particulares de Fortaleza, esses estão cada dia mais precários e fechando para atendimento, relata o presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, José Maria Pontes.
"Não há muita opção. Tem o Hospital de Messejana que já está lotado e o Walter Cantídio que está à mingua. Os leitos do SUS nos hospitais privados estão todos fechando, não há saída para os doentes", frisa. Para ele, há uns 20 anos havia de 15 a 20 hospitais operando coração, hoje não passam de quatro.
Para a Promotora de Saúde Pública do Ceará, Izabel Porto, a dificuldade em conseguir cirurgias cardíaca é muito antiga, vem desde 2007, ano em que houve problemas e greves, médicos sem operar pelo baixo financiamento do SUS. "Temos que forçar mais verbas para a saúde a fim de reduzir o sucateamento. Muitos hospitais privados estão sem atender os cardíacos. Isso é inadmissível", critica a promotora. Entre esses está o Hospital São Raimundo, que informou à reportagem que não realiza mais cirurgias de coração com convênio.
Se falta prioridade no atendimento, sobra ansiedade no peito do comerciante José Carlos Gonçalves, 56. Ele tem cardiopatia reumática e está internado há mais de um mês no Hospital de Messejana. A dificuldade em respirar é notória assim como a apatia de quem desde 2002 pede mais saúde ao seu coração.
A cirurgia dele estava marcada para acontecer na última quarta-feira, mas a falta de leitos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) lhe atrasou ainda mais o tratamento. "Só posso pedir calma ao meu coração e esperar que a cirurgia aconteça na próxima semana. Minha única fé é a esperança, a luz no fim do meu túnel", comenta.
LÊDA GONÇALVES/ IVNA GIRÃO REPÓRTERES
Receios
Foram momentos de muita tensão a família e para a equipe de profissionais do Hospital Universitário (Hospital das Clínicas) chefiada pelo médico Huygens Garcia. O caso só tinha uma saída: um transplante imediato do fígado.
Por essa condição, Wilas foi colocando na primeira posição da fila do transplante não só estadual, mas de toda a região Nordeste. "Nunca rezei tanto em minha vida e chorei também", conta a Robênia.
Em menos de um dia, como num passe de mágica, apareceu um doador, vítima de trânsito, na cidade de Sobral, a 233 km de Fortaleza. Com o tempo quase esgotado, o apoio e ação da Central de Transplantes do Estado foram fundamentais.
Um avião levou a equipe até o município da região Norte, retirou o órgão do doador e o trouxe sem perder um minuto para Fortaleza. "Não conseguia olhar nem para o relógio, tamanha a minha aflição", conta a mãe do paciente.
Com o "coração na boca", mas procurando manter a calma e o equilíbrio, a equipe do HU entrou na sala de cirurgia na madrugada do dia 20.
Pela frente mais uma dificuldade: como transplantar um fígado de um homem de 65 anos e 75 quilos em um garoto de pouco mais de 25 kg? Sem pestanejar, os médicos do Hospital das Clínicas decidiram utilizar, pela primeira vez, no Ceará, a técnica de redução de órgão.
"A gente conseguiu descartar 60% do fígado, exatamente do lombo direito, que é a maior parte desse órgão, e com extremo cuidado se fixar no lombo esquerdo e prepará-lo para implantar no menino", informou Huygens Garcia. O procedimento durou cerca de cinco horas e teve sucesso absoluto.
Passado o tremendo susto, sair da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e estar na enfermaria em plena recuperação, Wilas já consegue sorrir e relatar o que aconteceu. "Foi tudo rápido. Estava muito ruim mesmo e pensei que ia morrer". Emocionada, a mãe não sai de seu lado e agradece a equipe do hospital. "Para mim, eles são verdadeiros santos, salvaram meu filho da morte e isso não tem preço e nem obrigado que pague", conta com os olhos cheios de água. Para mãe e filho, a vida recomeça agora cheia de planos. O primeiro deles, confidencia Wilas, é voltar a jogar bola com o s amigos. Mas, isso, garante o chefe da equipe médica, Huygens Garcia, somente daqui há três meses. "Até lá, só a volta às aulas".
Solidariedade
75 quilos é quanto pesava o homem de 63 anos, que morreu vítima de acidente de trânsito, no município de Sobral, região Norte do Estado, cujo fígado foi retirado e transplantado
25 quilos é o peso de Wilas da Silva Oliveira, 11 anos, vítima de hepatite fulminante - forma mais aguda da doença e que mata em menos de uma semana. O garoto já saiu da UTI
CEARÁ
Dois mil cardíacos deixam de ser operados por ano
A vida de pacientes cardiopatas no Ceará corre graves riscos. A crise no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), a superlotação do Hospital de Messejana, aliada a saída de hospitais particulares conveniados do Sistema Único de Saúde (SUS), estrangularam o serviço com prejuízo direto para quem mais precisa da cirurgia.
Segundo o cirurgião cardiovascular e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, Glauco Lobo, o Ceará com seus 8,5 milhões de habitantes deveria realizar em média três mil cirurgias cardíacas por ano. Porém, o sistema público custeou, nos últimos quatro anos, em torno de mil operações ano, ou seja, três vezes menos que a média nacional e 15 menos que nos Estados Unidos.
Que o diga, o auxiliar de serviços gerais José Francisco da Silva, de 42 anos de idade e com um quadro de miocardite ou coração dilatado. O diagnóstico inclui a cirurgia, mas Francisco está em casa e aguarda, com ansiedade, ser internado e passar pelo procedimento.Ele é um dos que deixam de ser operados em consequência do descaso com a saúde pública e engrossam a fila de 150 pacientes/mês que simplesmente não conseguem atendimento na rede pública. A informação é de Glauco Lobo.
A denúncia é referendada pelo chefe de Cardiologia do Hospital de Messejana, Frederico Augusto de Lima e Silva. Segundo os dois especialistas, o HM, constantemente com os corredores da emergência lotados de macas, não consegue atender a demanda de todo o Estado.
"O Serviço de Cardiologia do Hospital de Messejana possui 200 leitos, todos lotados", confirma Lima. Segundo ele, as dificuldades estão se multiplicando até porque o quadro de um paciente cardíaco é muito mais complicado do que de um que sofre de outras patologias mais simples. "Estamos operando mais do que nossa capacidade e isso é ruim para o sistema".
Para Lobo, o Hospital de Messejana e o Hospital das Clínicas devem congregar as melhores condições de trabalho, e receber apoio necessário para o seu funcionamento. "Entretanto muito pouco do que foi determinado pelo Ministério da Saúde está sendo feito para o atendimento do cardiopata".
ONDE OPERAR?
Falta opção de tratamento aos doentes cardíacos
As doenças cardíacas pedem pressa. Mas para onde ir em caso de emergência? Se a saída para os cardiopatas eram os leitos conveniados aos Sistema Único de Saúde (SUS) nos hospitais particulares de Fortaleza, esses estão cada dia mais precários e fechando para atendimento, relata o presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, José Maria Pontes.
"Não há muita opção. Tem o Hospital de Messejana que já está lotado e o Walter Cantídio que está à mingua. Os leitos do SUS nos hospitais privados estão todos fechando, não há saída para os doentes", frisa. Para ele, há uns 20 anos havia de 15 a 20 hospitais operando coração, hoje não passam de quatro.
Para a Promotora de Saúde Pública do Ceará, Izabel Porto, a dificuldade em conseguir cirurgias cardíaca é muito antiga, vem desde 2007, ano em que houve problemas e greves, médicos sem operar pelo baixo financiamento do SUS. "Temos que forçar mais verbas para a saúde a fim de reduzir o sucateamento. Muitos hospitais privados estão sem atender os cardíacos. Isso é inadmissível", critica a promotora. Entre esses está o Hospital São Raimundo, que informou à reportagem que não realiza mais cirurgias de coração com convênio.
Se falta prioridade no atendimento, sobra ansiedade no peito do comerciante José Carlos Gonçalves, 56. Ele tem cardiopatia reumática e está internado há mais de um mês no Hospital de Messejana. A dificuldade em respirar é notória assim como a apatia de quem desde 2002 pede mais saúde ao seu coração.
A cirurgia dele estava marcada para acontecer na última quarta-feira, mas a falta de leitos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) lhe atrasou ainda mais o tratamento. "Só posso pedir calma ao meu coração e esperar que a cirurgia aconteça na próxima semana. Minha única fé é a esperança, a luz no fim do meu túnel", comenta.
LÊDA GONÇALVES/ IVNA GIRÃO REPÓRTERES
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