segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Das lendas do Vale do Jaguaribe

''Hoje a briga é diferente
Não tem mais sequer porrete
A matança é atraente
O ultraje é o macete
O cavalo virou moto
O bandido não tem foto
Chapéu é um capacete''
Ulisses Germano, no cordel Poética do Cangaço


Aos 55 anos, Mainha, sem querer, trocou de papel: foi jurado de morte para, em seguida, descansar na terra dos pés juntos. Feito mito ainda vivo, o pistoleiro ganhou fama. Teria matado mais de cem pessoas, mas nenhuma por dinheiro, sempre por questões de justiça, a sua própria justiça. No último dia 4, Idelfonso Maia de Cunha pagou pelos pecados cometidos com oito tiros de bala de calibre ponto 40, desferidos por dois homens, de dentro de um carro preto. A polícia estava avisada. O matador de aluguel que cumpria pena em regime aberto vinha recebendo anúncios de sua execução e registrou queixa. Os inimigos eram muitos. Não faltavam motivos. Com Mainha, entra em extinção o pistoleiro tradicional, que nasce no interior, dentro de fazendas, e que deve lealdade a quem lhe promete resguardo. Entre todos os predicados de um matador, o mais valorizado é a lealdade.

“O pistoleiro tinha uma lealdade que decorria de uma construção de dívidas ao proprietário de terra. Ele não denunciava o mandante do crime. Hoje em dia, o pistoleiro não denuncia o mandante por uma questão de sobrevivência. Ele morre”, comenta o professor César Barreira, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará e autor do livro Crimes Por Encomenda: Violência e Pistolagem no Cenário Brasileiro.

Partindo dessa lógica, ele sugere hipóteses para o assassinato do lendário pistoleiro do Vale do Jaguaribe: “Ele tinha muitas informações, sabia de muitas regras, pode ter sido uma queima de arquivo. Por outro lado, uma pessoa que cometeu tantos crimes também tinha muitos inimigos”. O fato é que Mainha morreu de “morte matada”, por uma nova geração de colegas de profissão. Os crimes encomendados continuam existindo, agora de uma maneira diferente. A pistolagem se modernizou, e ser “cabra macho”, valente e destemido, não é mais sinal de status.

Para Barreira, os matadores ao longo da história se classificam em três tipos: “o pistoleiro tradicional, que é ligado fundamentalmente à terra, à questão agrária, cujo mandante é o proprietário rural; o ocasional, que não isso como uma atividade corriqueira, mas é chamado para cometer um determinado assassinato e volta a ter uma vida legal; e o terceiro, que é o pistoleiro profissional, o mais moderno, que quebra certas raízes. Ele não tem mais uma vinculação com um proprietário de terra, suas ações não são restritas a conflitos agrários, ele não faz parte dos agregados da fazenda, mora na periferia das grandes cidades”.

A profissão do matador já teve seus dias de glória. “Hoje, você tem uma ampliação no triângulo da pistolagem. A vítima pode ser qualquer pessoa, assim como o mandante. Como diz a polícia, qualquer ‘pirangueiro’ pode ser pistoleiro. Nesse sentido, nós também vamos ter uma tabela. Mas, se antes se falava de R$ 10 mil, hoje, por quaisquer R$ 50, uma pessoa mata a outra”, comenta o pesquisador.

Na arte, a representação não é diferente. No cinema ou no cordel, a figura do matador e a poética do assassinato estão sempre sendo revisitadas. Hoje em dia, as narrativas e os personagens são tão mutantes que o espectador se pega torcendo pelo bandido. Ou seria o mocinho?

Alinne Rodrigues
alinnerodrigues@opovo.com.br



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