terça-feira, 16 de novembro de 2010

FOTOGRAFIA: Cores do passado

Com mais de meio século de prática, o "fotopintor" cearense Julio Santos é tema de um livro que reúne peças, por ele trabalhadas, e depoimentos  
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O artista cearense Julio Santos, em autorretrato 


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Casal retratado pelo artista 16/11/2010




















Pelas casas do Sertão, nas paredes das salas simples, destacando-se entre o parco mobiliário e o tucum armado, abaixo somente dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, ficam expostas as antigas fotografias pintadas à mão, organizadas em quase altar, onde se cultua a memória de gerações passadas, perpetuadas ali, em imagens repletas de dignidade.
Os cabelos bem arrumados, a roupa elegante, a maquiagem marcada e as cores indefectíveis, que fazem a mágica do retrato pintado acontecer, ganharão, amanhã, uma publicação igualmente simples e elegante. Será lançado no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), às 19h30, o livro "Julio Santos - Mestre da Fotopintura", uma ode ao trabalho do artista homônimo que, em mais de meio século de vida dedicados à manutenção dessa arte que já atravessa dois séculos, pintou "um milhão de retratos".



"O trabalho de mestre Júlio é fantástico. A primeira parte do livro traz uma longa entrevista que fizemos com ele. Tem também um DVD, com histórias que narram a trajetória desse nosso patrimônio vivo", comenta o fotógrafo Tiago Santana, um dos diretores da Tempo d´Imagem, editora responsável pelo projeto. Além de Tiago, participam da entrevista, a curadora e editora de imagem Rosely Nakagawa e a coordenadora editorial Isabel Santana Terron.
De fato. Além da capa trazendo o autorretrato de mestre Júlio em moldura vazada, o DVD perpetua o curta-metragem "Retrato Pintado", premiado em 1999, pelo Ministério da Cultura; e um trecho do filme "Câmera Viajante", que traz um relato precioso da arte do retratista, ambos dirigidos por Joe Pimentel. Os recursos vieram dos editais Conexão Artes Visuais MinC/Funarte/Petrobrás, e Incentivo à Fotografia, da Secretaria de Cultura de Fortaleza.
Contemporaneidade
"Hoje somos tão contemporâneos quanto os contemporâneos. Usamos tecnologia de ponta e o processo continua o mesmo", diz mestre Júlio, ao telefone. "Ao invés da grande máquina de fole, feita de madeira pesada, usada para reproduzir fotografias, hoje utilizamos o scanner e usamos tintas virtuais. Desafiei o quanto pude, trabalhei muito em papel liso para não deixar a arte morrer. Mas teve uma hora que não tive mais como recusar o que a tecnologia estava oferecendo", justifica.
"Antigamente, a gente chamava fotopintura a pastel. Porque existia a fotopintura a óleo transparente, que era a que dona Telma Saraiva fazia lá no Crato, que a Margarida fazia para a Abafilme, enfim. Você reproduzia o original, contornava para tirar só o rosto, levava para câmara escura, ampliava, e ia colorir à mão", recorda. "O restante era pintado a pastel, um tipo de giz importado, que a gente usava com pigmento azul, marron, vermelho, amarelo, que precisava de dióxido de titânio para misturar as tintas e poder trabalhar".
A arte da loucura
Em setembro de 2009, o fotógrafo pernambucano Luiz Santos convidou o artista Júlio Santos para participar do projeto "Salões de Beleza no Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano", onde Luiz coordenava o "Spa Tamarineira", atividade que aconteceu durante a Semana de Artes Visuais do Recife.
A parceria, em que Luiz Santos fazia os retratos e Júlio Santos os pintava, resultou no trabalho "Fotopintura Contemporânea" que além de ter participado da mostra "Uncertain Brazil", no Pingyao International Photography Festival, realizado na China, em setembro de 2010, tem capítulo especial no livro que será lançado amanhã.
"Na Tamarineira, ele batia fotografias de pessoas com problemas mentais. Eu só fiz uma oficina de fotopintura e senti que minha participação, maquiando, vestindo e penteando bem, contribuiu para recuperar um pouco a dignidade daqueles pacientes", ressalta o mestre.
Hoje, apenas um, dos cinco filhos, a "encostada da mais nova", Rebecca, de 15 anos, dá indícios de que perpetuará o ofício do pai. "Já estou com 52 anos nesse ramo. Comecei com 12 anos, vendo o Antenor Medeiros, um artista inigualável, insuperável, extraordinário, que montou uma oficina de fotopintura, em 1954, com meu pai, ali na rua Patriolino Aguiar, número 10, no Seminário da Prainha", conta Júlio.
"Hoje estamos aqui, eu e meu irmão, que tem um estúdio na casa dele, e também ajuda a dar continuidade ao Áureo Studio. Somos os sobreviventes".

MAIS INFORMAÇÕES
Lançamento do livro"Julio Santos - Mestre da Fotopintura", amanhã, 17, às 19h30, no Centro
Dragão do Mar de Arte e Cultura (Avenida Almirante Tamandaré, 310).
A distribuição será gratuita. Mais informações (85) 3067.5570 ou aureostudio@gmail.com.

NATERCIA ROCHA REPÓRTER

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